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QUEM TEM MEDO DAS PRIVATIZAÇÕES
Por André Franco Montoro Filho (*)

A questão das privatizações voltou ao debate político, sendo apresentada por seus críticos como um grande prejuízo para o Brasil. E quem privatizava seria um vendilhão do patrimônio nacional, mancomunado com poderosos grupos financeiros. Será isto verdadeiro? Quem foi prejudicado e quem foi beneficiado com as privatizações?
Analisemos setor por setor. Primeiro, o setor siderúrgico (Cosipa, CSN, Açominas, etc.). Até sua privatização estas empresas geravam grandes prejuízos e exigiam aportes do governo federal de cerca de US$ 1 bilhão por ano. Após a privatização o setor se tornou um dos mais eficientes do mundo, a ponto de os EUA tomarem medidas protecionistas contra as empresas brasileiras. As empresas cresceram, geraram mais empregos, mais impostos e mais dólares de exportação. Ganharam o Brasil, o setor público, os trabalhadores. Quem perdeu? Exatamente quem era contra: os assessores fantasmas, partidariamente nomeados.
Outro caso é o da Embraer. Antes de sua privatização, estava quase falida. Agora é um sucesso mundial. Mais uma vez ganhou o Brasil, ganhou a tecnologia nacional. Quem perdeu? Lideranças sindicais e pessoal administrativo.
As telecomunicações talvez sejam o caso de maior sucesso nas privatizações brasileiras. De uma época em que uma linha telefônica, por custar milhares de dólares, era um patrimônio a ser declarado no Imposto de Renda, chegamos hoje a uma situação em que a grande maioria da população possui telefone, fixo ou celular. Quem perdeu? Os que usavam para fins partidários e se beneficiavam das centenas de cargos de altos salários que existiam nas antigas teles. Isto sem falar nas vultosas verbas de publicidade.
Nas estradas, outro grande sucesso. Todos os levantamentos indicam que as melhores rodovias do Brasil são operadas pelo setor privado. Até no setor ferroviário estamos vendo progresso. No passado o setor era deficitário, com serviços de baixa qualidade e demanda se reduzindo. Hoje há uma crescente utilização do transporte ferroviário.
No setor de energia elétrica, o que foi majoritariamente privatizado foi a área de distribuição, que mantém elevados índices de qualidade de seus serviços. A ameaça do apagão foi causada, além da falta de chuva, por falta de investimentos em geração. Ora, o setor público é ainda responsável por cerca de 80% da geração de energia hidrelétrica no Brasil.
Por fim, o caso da Vale do Rio Doce. Esta era uma empresa lucrativa. No ano de sua privatização gerou lucros de R$ 800 milhões. Ocorre neste ano de 2006 se espera um lucro mínimo de R$ 12 bilhões, ou seja, 15 vezes mais. Com a aquisição da canadense Inco, a Vale se torna a segunda maior mineradora do mundo. Este extraordinário progresso seria impossível se a Vale continuasse estatal. Os necessários controles do Ministério Público e do Tribunal de Contas não permitiriam a flexibilidade negocial indispensável para o estupendo crescimento. Isso sem falar em possíveis ingerências político-partidárias e eventuais solicitações de 'recursos não contabilizados' ou a destinação de verbas para agências de publicidade adrede selecionadas.
Mao Tsé-tung afirmava que 'não interessa a cor do gato, o importante é que ele coma os ratos'. As empresas existem para produzir. Todas as histórias dos setores privatizados são de retumbantes sucessos produtivos. Então, por que ainda existe no Brasil tanta desconfiança?
Além de um possível interesse individual, existe uma verdadeira preocupação com os riscos da presença do setor privado em alguns setores considerados estratégicos, seja lá o que isso represente. É certo que há setores que, por sua importância econômica e social, requerem controles especiais do setor público. Mas isso não significa necessariamente produção pública em empresas estatais. Existem outras ferramentas de controle. No caso dos serviços públicos, estas ferramentas são o regime de concessão, os contratos de concessão e o controle realizado por agências independentes. Com estes instrumentos é possível a continuidade de políticas públicas (como modicidade tarifária, universalidade do atendimento, tarifas sociais, exigências de investimento, recursos para pesquisa tecnológica) sem que sejam necessárias empresas estatais. Neste regime a propriedade dos bens continua pública. Apenas a operação do serviço é transferida, por um prazo limitado, ao setor privado.
Por derradeiro, a questão do preço de venda. Marx ensina que a concorrência capitalista leva a um nivelamento da taxa geral de lucro entre as diversas esferas produtivas, o que significa que, se houver diferença, os capitais sairão das esferas de menor lucro para as esferas de maior lucro, até que os lucros se igualem. É este o mesmo princípio metodológico que foi usado no cálculo do valor mínimo das empresas. Os lucros das empresas a serem vendidas eram estimados e com esta informação o preço mínimo foi estipulado de forma que os lucros unitários esperados fossem iguais à taxa média de lucros. Com este preço era realizado um leilão público, livre, transparente e amplamente divulgado. Com estas regras não há espaço para maracutaias. Prova está que todas as alegadas irregularidades nunca foram comprovadas, apesar de o grupo que as denunciava ter assumido o poder.
O verdadeiro patrimônio público não se confunde com o valor contábil de empresas estatais. A verdadeira riqueza de uma nação é sua capacidade produtiva e as privatizações aumentaram muito nossa capacidade produtiva. Quem efetivamente dilapida o patrimônio nacional é quem defende estatais deficitárias ou pouco lucrativas. Mais ainda, aqueles que, com administrações desastrosas, aparelhamento partidário e corrupção, tornam nossas estatais menos produtivas.

(*) André Franco Montoro Filho - Ph.D. em Economia pela Universidade de Yale e professor-titular da USP, foi presidente do BNDES e secretário de Economia e Planejamento do Estado de São Paulo


Editado por Adriana   às   11/08/2006 06:21:00 PM      |