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ONGs E PETROBRAS, A CONTRADIÇÃO
Por Pedro do Coutto na Tribuna da Imprensa

A forte irritação do presidente da Petrobras, Sérgio Gabrielli, contra os repórteres de "O Globo" e da "Folha de S. Paulo" que divulgaram os repasses de recursos feitos pela estatal a ONGs, e diversos reflexos daí decorrentes, veio assinalar principalmente a contradição essencial que envolve a matéria. Não só especificamente quanto à Petrobras, mas relativamente ao governo federal, governos estaduais e prefeituras. As Organizações - seu nome está dizendo - são Não Governamentais. Como entidades não governamentais podem ser capazes de resolver problemas tipicamente governamentais? Impossível.
A simples colocação da pergunta fornece a resposta que assinala absoluta impossibilidade. As ONGs propõem-se a atuar no universo das políticas públicas, como a educação, por exemplo, através da formação de mão-de-obra especializada em setores produtivos. Ora, tal tarefa pertence nitidamente ao poder público. Por que motivo dirigentes de ONGs se motivariam para tal tarefa? Ela, em princípio, não fornece lucro. O lucro, no caso, é o avanço da sociedade, a melhoria das condições de vida, o progresso do País.
São obrigações absolutamente governamentais. Por que cargas dágua os poderes públicos devem delegar estes trabalhos insubstituíveis a terceiros? São atividades específicas de agentes públicos. Por qual razão a Petrobras, ou qualquer outra estatal, deva delegar e transferir responsabilidades a entidades particulares? Ela própria é mais que plenamente capaz de sustentar e executar os serviços cuja realização delega. Não faz sentido. Inclusive, é claro, termina encarecendo a produção visada.
Sem dúvida alguma. Pois as ONGs, é evidente, não vão trabalhar de graça, por amor à arte. Nem teria cabimento exigir delas tal arrebatamento pelo interesse público. No caso, o interesse público situa-se na esfera de responsabilidade do governo. Seja através da administração direta, seja por intermédio de empresas públicas, ou mesmo por intermédio de sociedade de economia mista, como é o caso da Petrobras.
São inúmeros os problemas detectados pelo Tribunal de Contas da União, pelo Tribunal de Contas do Estado do RJ, pelo Tribunal de Contas do Município do Rio, envolvendo a prática de órgãos públicos transferirem tarefas a ONGs. Basta ler os diários oficiais. O TCU possui, inclusive, ampla jurisprudência sobre a matéria. As delegações orçamentárias, no plano federal, incluindo o ninho onde habitam as ONGs, elevam-se, incluindo a terceirização de mão-de-obra, a 27 por ento das despesas públicas. Uma grande parte - vale frisar - exigindo comprovação convincente.
O mesmo ocorre na esfera do TCE-RJ e do Tribunal de Contas da capital fluminense. São inúmeras situações. Uma das mais comuns é o repasse de recursos a ONGs para que estas realizem cursos profissionalizantes. As ONGs não ministram tais cursos. Subcontratam. Por uma coincidência, não mais que coincidência, dirigentes de organizações não governamentais possuem alguma ligação com os donos e dirigentes dos cursos.
A prática é proibida pelos Tribunais de Contas. Mas é feita. No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, há poucos dias, o TCE entregou um estudo ao governador eleito, Sérgio Cabral, em que está assinalado que os recursos repassados a ONGs e empresas de terceirização elevam-se este ano a 4,1 bilhões de reais. O orçamento em execução no RJ alcança, em números redondos, 33 bilhões. É por essas e outras que o endividamento público cresce sem parar. No universo da União, o endividamento, só na parte mobiliária (títulos públicos em poder dos bancos), é de 1 trilhão e 61 bilhões, 57 por cento do orçamento deste ano.
Na esfera do RJ, alcança 43 bilhões para uma lei de meios de 33 bilhões. Na área da Prefeitura do Rio, é de 7,5 bilhões para um orçamento de 10 bilhões de reais. O mais grave, entretanto, é que, com a transferência de recursos para ONGs e empresas de terceirização, os poderes públicos vão progressivamente abrindo mão da tarefa de governar.
Em conseqüência, também, tornam propositalmente difícil o controle dos gastos oficiais pelos Tribunais de Contas. A cada dia, tal fiscalização torna-se mais trabalhosa e complexa, tais e tantos são os agentes executores envolvidos em tarefas que teriam que partir de uma só fonte: os governos. Foram eleitos para isso: executar diretamente os trabalhos a si inerentes. Não para delegar indefinidamente.
O descontrole nasce daí. A farsa também, fomentando o imobilismo disfarçado por um incrível mimetismo paralisante. Basta chegar a repartições públicas e às Organizações Não Governamentais investidas de tarefas governamentais. As pontas dos lápis estão sempre finamente afiadas. Mas isso não garante o trabalho, muito menos sua produtividade. O episódio relativo à Petrobras e que abrange algumas ONGs é emblemático do impasse efetivamente criado por relações desse tipo.
Vamos a outro assunto. Há alguns anos, publiquei um artigo, aqui na TRIBUNA DA IMPRENSA, cujo título era "Os amigos do depois", em que eu focalizava a ingratidão humana e o distanciamento entre os que assumem e aqueles que se aposentam ou são substituídos pelo tempo. O reconhecimento ao valor humano é raro. Mas às vezes, excepcionalmente, acontece. Ocorreu agora com o presidente do TCE-RJ, José Graciosa, dando o nome de Humberto Braga, conselheiro aposentado, ao centro cultural que inaugurou. Fez justiça a um pensador, a um intelectual. Foi positivo.


Editado por Giulio Sanmartini   às   11/24/2006 01:03:00 AM      |