Por Carlos Chagas na Tribuna da Imprensa
BRASÍLIA - De vez em quando, é bom voltar ao tema: e o cidadão comum, esse coitado que paga impostos, cumpre a lei, ganha cada vez menos e sacrifica-se cada vez mais para o funcionamento de um país que vai deixando de ser o dele? Dias atrás abordamos as agruras de quem viaja de avião, por conta desse horror até hoje verificado em todos os aeroportos. Já tratados como gado pelas empresas aéreas, exprimidos em fileiras de poltronas sempre mais próximas uma das outras, obrigados a deglutir abomináveis barras de cereal e sujeitos a constantes perdas de bagagem, os passageiros agora suportam o insuportável: os atrasos prolongados, de até 12 e 24 horas, e o cancelamento de vôos.
No DF, metrô funciona de 18 às 20h Mas tem mais, para este descendente de Jeca Tatu, para quem, como no caso do ancestral, não chegaram e se afastam mais os benefícios da civilização e da cultura. Já experimentou o leitor transitar em dia de chuva com o seu fusquinha pelas ruas e avenidas das grandes cidades? Ou pelas estradas esburacadas, mesmo em dia de sol? Trata-se de uma aventura que conduz, nas cidades, a quilômetros e quilômetros de congestionamentos, onde a imagem mais comum é de motores fervendo. Mas, nas estradas, são veículos com o eixo quebrado, pneus arrebentados e colisões aos montes. Quem paga o prejuízo? Isso para não falar de quando se perde um compromisso importante ou se chega atrasado no emprego, verificando-se nessas horas o desaparecimento dos guardas de trânsito, urbanos e rodoviários. Recomendarão as autoridades, pertençam a que partido pertencerem, o uso dos transportes coletivos, mas será preciso responder? Metrôs funcionam em algumas capitais, sem interligar sequer um terço dos bairros e subúrbios. Tome-se Brasília, por exemplo. Os trens subterrâneos começam sua atividade às seis da tarde, encerram às oito da noite, quando mais se tornam necessários, até para o retorno de milhares de estudantes noturnos às suas casas. Quem necessita utilizá-los nesse intervalo que vá a pé, com a ressalva de que as composições param aos sábados e domingos. Vamos comparar a situação com outras capitais privilegiadas pela existência do metrô e chegaremos a resultados parecidos. Os ônibus? Basta verificar como desaparecem na maior parte do dia e, na hora do rush, transformam-se em latas de sardinha. Mesmo estando aos pedaços. Tudo com o poder público de braços cruzados, inerte, mesmo quando, como nos casos do metrô, investiu o dinheiro de nossos impostos e, concluída a obra, terceirizou o lucro, entregando a exploração a empresas privadas. Cidadão é tratado como inimigo Mas vale seguir. Que tal comparecer a um hospital ou a uma repartição pública para marcar consultas, pagar dívidas ou candidatar-se a uma aposentadoria? O cidadão é tratado como inimigo. Permanece horas à espera. Se aparece outro cidadão como ele, do lado de lá do balcão, também ganhando pouco, tornam-se, ambos, inimigos declarados da Humanidade. Transitar pelas ruas, a pé, transformou-se num risco dos diabos. Nem as velhinhas escapam, para não falar dos meninos que vão à escola. Há que estar atento e pronto para correr, se der tempo. Caso contrário, será contar com a sorte enquanto se entrega a carteira, o celular e o relógio. A polícia faz o que pode, mas os policiais são cidadãos de segunda classe, como a maioria. Salários de fome e de miséria, expondo a própria vida todos os dias, cobrados pela sociedade e obrigados a fazer bicos tantas vezes humilhantes. Mas vá o cidadão comum pleitear algum direito, na Justiça. Os processos arrastam-se por anos a fio, interrompidos pelo dilúvio de recursos protelatórios garantidos por lei e pela malandragem da parte rica da demanda. As escolas? Dias atrás um senador propôs que o ensino fundamental, em todo o País, envolvesse oito horas de permanência dos meninos nas escolas. Muitos senadores começaram a rir. Se as prefeituras e os estados não conseguem manter turnos diários de quatro horas, se são obrigados a suspender a merenda escolar por falta de recursos e pela vergonha dos salários pagos aos professores, como multiplicar por dois esse horror? Um dia desses, depois de tão enganado, vilipendiado e humilhado, o cidadão comum reagirá. Vai ficar pior...
Editado por Giulio Sanmartini às 11/22/2006 12:27:00 AM |
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