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O BOATEIRO E O CAIXOTE FALANTE
Por Adriana Vandoni

Na década de 20, para se chegar a Cuiabá só de navio pelo Rio Paraguai ou no lombo de burro. A cidade era uma ilha no meio do nada, sem comunicação com o restante do Brasil as notícias chegavam dias depois dos fatos terem ocorrido. Energia elétrica? Só até às dez da noite ou em dias de velório.
Em 1926, Deodato, um jovem cuiabano curioso, inquieto, indignado com falta de notícias e apaixonado pela informação, trouxe de uma viagem ao Rio de Janeiro, vários componentes eletrônicos e com eles montou o primeiro rádio de Cuiabá.
Foi um alvoroço na cidade, “imaginem, um caixote falante!” Alguns chegavam a dizer que Deodato “tinha parte com o capeta”! Mas, mesmo em meio ao espanto e descrédito, a curiosidade levava as pessoas até a janela da casa de Deodato, que ia escutando e retransmitindo para a população. Foi dessa forma que Cuiabá ficou sabendo da deposição de Washington Luís e da instalação de uma Junta Militar. Esse episódio levou Deodato à prisão. O presidente do Estado, Aníbal de Toledo, ao saber da notícia divulgada mandou que as tropas prendessem Deodato por falsidade de informação e por promover a desordem em via pública. Deodato só foi liberado no fim do dia depois que a confirmação da notícia chegou a Cuiabá via telégrafo, em meio a aplausos da população que passou o dia todo na porta da prisão.
Em 32, na Revolução Constitucionalista, Deodato se colocou a disposição dos Revolucionários e passava para eles as notícias em primeira mão. Isso provocou a ira de Aníbal de Toledo que mandou o prender e confiscar o caixote falante.
Mas não adiantava, era quanto confiscavam quanto montava. O Boateiro, como era chamado, passou a ser perseguido a ponto de perder seu emprego e passou a ser vigiado diariamente.
Mas era assim, as tropas pegavam o rádio e Deodato montava outro. Um dia um garoto chegou esbaforido dizendo que as tropas do Aníbal estavam vindo. – Puxa vida, acabei de montar o rádio!, pensou Deodato e, olhando ao seu redor viu Ritinha, uma bunduda que trabalhava em sua casa, sentada em um caixote de querosene, catando arroz. Não teve dúvidas. Levantou Ritinha e colocou o rádio no caixote de querosene.
A tropa chegou, revirou a casa toda e Ritinha, não sei se já tinha se acostumado com a situação ou se estava se pelando de medo, permaneceu catando seu arroz sem nem levantar os olhos para os policiais.
Zangado e se achando enganado um policial perguntou a Deodato:
- Então? Onde está o rádio?
- Rádio? Que rádio? Não tenho nenhum. Só se houver algum, dentro do pinico de baixo da cama ... só falta vocês procurarem aí!
Certa vez, cansado de montar rádio e com o firme propósito de continuar passando as notícias à população e aos revolucionários, Deodato disse: não adianta, podem fazer de tudo, mas eu não vou desistir, é impossível eu viver sem o rádio. Ele é o único elo de informação entre mim e a capital.
Nessa historinha toda só faltou dizer uma coisa, Deodato – O Boateiro era meu avô.


Editado por Adriana   às   11/09/2006 01:59:00 PM      |