Por Fritz Utzeri no Jornal do Brasil
Se não houvesse outro motivo para acabar com a reeleição, bastariam duas notícias publicadas na imprensa este fim de semana para justificá-lo. A primeira é a de que os buracos tapados, às pressas, nas rodovias federais já estão se desfazendo e, em alguns casos, as pistas estão piores do que antes da manobra eleitoreira. A maquiagem desperdiçou nada menos que R$ 400 milhões, sem licitação. A segunda desmascara a farsa de "ações nunca vistas" da Polícia Federal. Todos os dias, antes da eleição, a PF prendia acusados de crimes e reforçava os argumentos do Molusco de que em seu governo nada era varrido para debaixo do tapete. Mais de 94% dos presos já estão na rua e nem chegaram a esquentar o lugar no xadrez.
Culpa das chuvas no primeiro caso e da Justiça no segundo, dirão as eternas Polianas, apoiadas pelo doutor Pangloss. O fato é que já era previsto: os remendos de asfalto não durariam tanto assim e, ao prender 785 suspeitos de crime, para aparecer no Jornal Nacional, o Ministério da Justiça sabia de antemão o caminho que as coisas iriam tomar. Programando as prisões-espetáculo para a época das eleições, matavam-se dois coelhos com uma só cajadada. Dava-se a impressão de que o governo agia efetivamente contra a corrupção e ao mesmo tempo desviava-se o foco da corrupção de que o próprio governo era acusado, em um volume nunca visto na História da República, nem mesmo de uma República tradicionalmente vista como corrupta, como a nossa. E aí vamos ao futuro. O governo que acusou o seu principal adversário de privatizador acaba de anunciar a privatização de longos trechos da malha rodoviária federal. Rodovias privadas com pedágio são comuns em todo o mundo, mas há algumas diferenças fundamentais em relação ao modelo que se adota aqui. Na França, o Estado desapropria a faixa de terreno por onde passará a estrada e há uma licitação para CONSTRUIR a auto-estrada. A empresa constrói, explora o pedágio e os serviços ao longo do trajeto. Tem um prazo de concessão e condições para conservá-la, constantemente fiscalizadas. Em países como a França e Suíça, o Estado é obrigado a manter estradas sem pedágio, no mesmo trajeto. O problema brasileiro é que a palavra manutenção não foi introduzida no dicionário de nossos políticos (e não apenas do atual governo). Só para manter as estradas em boas condições, seria preciso investir R$ 1 bilhão por ano. O descaso nos últimos 12 anos (oito de FH e quatro de Luiz Inácio Lula da Silva) foi tanto que seria necessário gastar mais de R$ 22 bilhões só para recuperá-las. Quanto à Polícia Federal, ela cumpriu seu papel (o custo das operações não foi divulgado), mas enquanto não se adotarem leis mais severas e melhores processos de investigação e, sobretudo, de instrução de processos criminais, vamos ficar no "prende" (com alarde, para inglês... perdão brasileiro ver) e no "solta" (na moita, para tudo continuar como estava). Mas falar nas nossas eternas reformas chega a dar arrepios. Vamos fazer a reforma do Judiciário com a turma que está aí? Vamos fazer a reforma política com nossos atuais políticos? Pangloss e Poliana acham ótimo e acreditam piamente, mas o índio velho aqui desconfia, não acredita e muda de nome se algo parecido acontecer de forma séria. Vamos aguardar os fatos e torcer para que eu esteja enganado e passe a me chamar de Schultz (só para ficar no nome alemão, argh!).
Editado por Giulio Sanmartini às 11/14/2006 01:36:00 PM |
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