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   Sábado, 1 de Março
MANUAL DA MORDOMIA PARLAMENTAR
Por Ipojuca Pontes em Mídia Sem Máscara

“A política é a arte de nos servirmos das pessoas”
Henry Montherlant (1896-1972)
A política, como a cocaína, vicia. Uma vez eleito “representante do povo”, o sujeito não quer mais largar o osso – nem a pau. Seja vereador, prefeito, governador, deputado, senador ou presidente da República, ninguém quer abrir mão de continuar se “sacrificando em função da causa pública”, de lutar dia e noite “pela melhoria de vida das camadas desfavorecidas” ou, mais modernamente, de batalhar pela “justiça e a inclusão social”. A coisa chega a tal ponto que o vício passa de pai para filho, sobrinho, neto e bisneto, numa cadeia sem fim. Há famílias, no Brasil, que detêm o poder por mais de século. Ano passado, depois de três doses de “Red Label”, um deputado de tradição na política da Paraíba me garantiu que o poder político era melhor do que sexo, droga e lagosta - os três juntos. Ele dizia e repetia, insistentemente, como uma agulha presa ao sulco de um disco quebrado:
- O negócio é o “pudê”, seu doutor, o “pudê”!... O negócio é o “pudê”!
De fato, o negócio é muito bom, ou melhor, ótimo, pelo menos no Brasil onde o político, por mais ordinário que seja, tem tratamento de potentado. Ainda agora, para comprovar o fato, está sendo distribuído em Brasília (“Ilha da Fantasia”) o “Manual do Gabinete Parlamentar”, de 330 páginas, especialmente produzido pela Câmara para o conhecimento dos novos 269 deputados - alguns deles eleitos em cima de acordos obscuros. Ao todo, são listados 180 serviços e mordomias a que os novos parlamentares têm direito, uma lista de fazer inveja ao próprio Ali Khan, o príncipe bilionário que substituiu a água potável do dia a dia por champanha francesa Moët & Chandon.
Na listagem do “Manual” editado pela Câmara ficamos sabendo, por exemplo, que o deputado eleito tem um auxílio moradia de R$ 3 mil mensais, mesmo que divida o apartamento com outro deputado e só trabalhe, em média, dois dias por semana. Para se manter em dia com o noticiário, o felizardo tem direito à assinatura de cinco publicações pagas pelo erário, a serem entregues em casa ou no gabinete, a escolher. Para despesas com telefone e correios o parlamentar privilegiado arrasta da Viúva cerca de R$ 4,2 mangos limpinhos. Para se comunicar com o mundo ele tem direito à página na Internet (site da Câmara) e e-mail com 40 megabites para armazenar mensagens, além de acesso a TV a Cabo, com canais nacionais e internacionais, sem gastar um só centavo. Para viajar ao seu Estado, o felizardo tem direito a 48 passagens aéreas de ida e volta por ano, sem meter a mão no bolso.
Mas a coisa não fica por ai; tem muito mais. Para custear salários de secretárias e assessores em bem instalados gabinetes que são classificados de “enxuto” ou “ampliado”, o ilustre “representante do povo” ganha a cota mensal nada desprezível de R$ 50 mil mensais, valendo acrescentar o seguinte: os assessores e secretárias constituirão fileiras de futuros aposentados com (bons) salários pagos pela sempre deficitária Previdência. Falar em Previdência, o sacrificado parlamentar, após oito anos de falação e papelada, passa a ter direito, automaticamente, a aposentadoria proporcional. Oito anos! Ademais, além de passaporte especial (diplomático) para si e familiares, o deputado amigo abiscoita “verba indenizatória” (recentemente transformada em “subsídio oficializado”) no valor de R$ 15 mil reais, destinada a despesas de manutenção e aluguel de escritório fora de Brasília. Sem falar, é claro, no salário bruto que recebe, no momento, em torno de R$ 12,4, uma cifra transitória visto que o deputado costuma aumentar periodicamente o próprio salário.
Claro, não é preciso mencionar que, entre as 180 mordomias inclui-se também o direito a frigobar, água mineral, cafezinho, papel higiênico, serviços gráficos, papéis, envelopes, selos, clips, automóvel 0 KM, motorista, combustível, dois salários extras (um no final e outro no começo do ano), noventa dias de férias anuais e folga remunerada de trinta dias, serviço médico estendido a familiares e remuneração paga em dólar para representação quando em viagem ao exterior – para não falar, entre os mais espertos, do “caixa 2” ou de sólidos esquemas tipo “sanguessugas” e “vampiros”.
No momento, os deputados federais mostram-se magoados por dois pequenos motivos: primeiro, o que diz respeito à suspensão da regalia de receber uma pasta executiva de couro, tipo 007, das 660 encomendadas pela Câmara no valor de R$ 407, 7 mil. Pressionado pelo noticiário, o deputado comunista Aldo Rebelo, presidente da Casa, resolveu transferir o dinheiro das pastas para a ampliação de antigas mordomias. O segundo, certo desapontamento com a imprensa que criticou a ampliação da verba de R$ 5 milhões para R$ 6 milhões no valor das emendas individuais do orçamento da União, votada em sessão noturna pela Comissão de Orçamento da Câmara. Para quem não sabe, os parlamentares da Brazuca contam com o privilégio de repassarem recursos das emendas anualmente votadas para entidades e ONGs controladas por eles próprios, amigos e familiares. Segundo Valdir Raupp, relator-geral das emendas orçamentárias que elevaram os gastos em cerca de R$ 600 milhões, o aumento dos novos valores “será um complicador a mais para fechar as contas do Orçamento da União”.
Aqui, convém assegurar que o relator-geral Valdir Raupp está completamente enganado. Os deputados em Brasília sempre encontrarão uma manobra rápida e eficiente para fechar as contas do Orçamento da União. De fato, a solução não é muito complicada. Basta ampliar a volumosa carga tributária, criando um novo imposto sobre as costas da patuléia ignara - e o problema está resolvido.
Quem duvida que vem mais imposto por aí?


Editado por Giulio Sanmartini   às   11/21/2006 12:40:00 AM      |