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SISTEMA ELEITORAL MOSTRA SEUS ERROS
Por Roberto Macedo em O Estado de São Paulo
As análises que vi dos resultados das urnas tomam o sistema eleitoral sem questioná-lo e sem olhar os números como evidência de distorções que o viciam. Vou abordar duas delas, a do sistema proporcional de escolha de deputados e a dos números mínimo e máximo de membros da Câmara por unidades da Federação.
A distorção do sistema proporcional fica evidente na escolha dos 70 deputados federais por São Paulo. Os dois mais votados, Paulo Maluf e Celso Russomanno, ambos do PP, somaram 1,3 milhão de votos. Isso deu a eles e ao partido votos acima do mínimo necessário para eleger isoladamente um candidato (cerca de 300 mil votos), garantindo, assim, a eleição de outros, entre eles o penúltimo da lista de eleitos, Marcelo Mariano, com apenas 8.278 votos. Outro destaque entre os levados pela onda Maluf-Russomanno é Vadão Gomes, com 78,7 mil votos, que a lista publicada por este jornal na terça-feira dá como 'acusado de envolvimento com o mensalão'. Ele não seria reeleito sem essa onda.
A lista dos não-eleitos, também disponível no portal do Tribunal Superior Eleitoral (www.tse.gov.br), tem no topo dois candidatos com mais de 90 mil votos, oito acima de 80 mil votos, nove mostrando mais de 70 mil votos, e assim por diante. Ela permite concluir que, entre os 942(!) candidatos a deputado federal por São Paulo, 189(!) tiveram votação superior à de Marcelo Mariano, mas não foram eleitos, como ele o foi.
Além dessa eleição por um número irrisório de votos, cabe perguntar: quem votou em Maluf ou Russomanno sabia que elegeria Mariano ou Gomes? Alguém poderia argumentar que nesse sistema o voto é também no partido, mas é ingênuo acreditar que quem sufragou os dois primeiros o tenha feito primordialmente por serem eles candidatos do PP.
Outro caso interessante é o da votação recebida por Clodovil Hernandes, do PTC, com 494 mil votos, em terceiro lugar. Esse número garantiu um mandato ao coronel Paes de Lira, da Polícia Militar paulista, o menos votado entre os eleitos, com apenas 6.673. Será que quem votou no estilista sabia que elegeria esse coronel? E mais: conforme entrevista publicada por este jornal na terça-feira, mesmo já eleito, Clodovil declarou que ainda não tem plataforma definida, exceto a de chegar chiquérrimo a Brasília e lá desenvolver uma carreira solo, dizendo-se 'fresco desde pequenininho', e que não gosta de se misturar.
Em quarto lugar, Enéas Carneiro, do Prona, com 386.898 votos, desta vez não conseguiu dar mandato a outros candidatos. Em segundo lugar no partido veio a candidata Luciana, com 3.890 votos. Neste caso, fica ainda mais claro que os votos dados a Enéas foram pessoais, e não ao seu partido, de existência apenas formal.
Resultados como esses mostram não apenas a falta de representatividade de alguns dos eleitos pelo sistema proporcional, mas também a impossibilidade de nele o eleitor escolher adequadamente um entre quase mil candidatos. Fosse o sistema distrital, a seleção seria mais criteriosa, pois envolveria comparar um com uns três candidatos mais viáveis e uns poucos azarões, cada um representando um partido ou coligação. Como o sistema atual não permite essa comparação, prevalece uma escolha em que o candidato é visto isoladamente em suas características, mas não confrontado com os demais, inclusive em suas propostas.
Num distrito, a confrontação entre candidatos ocorreria com grande força, seja pelo reduzido número de postulantes, seja pela demanda dos eleitores ou porque mais perto deles os candidatos se adiantariam a mostrar suas características. E haveria também a possibilidade de debates entre os poucos postulantes, tal como nas eleições para presidente e governadores.
Quanto aos limites para o número de deputados federais por unidades da Federação, os números são um máximo de 70, em São Paulo, e um mínimo de oito, o qual prevalece em 11 dessas unidades. Ora, isso impede que a representação seja estritamente proporcional ao número de leitores, e a distorção se evidencia na comparação dos casos extremos. Assim, enquanto em São Paulo os eleitos tiveram a média de 150.107 votos, em Roraima essa média foi de apenas 11.381 votos. Ou seja, uma proporção de um voto lá para cerca de 13 aqui. E olhe que nossa Constituição logo no início diz que 'homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações', o que não vale para a Lei Eleitoral, calcada em outros artigos do texto constitucional.
Não cabe argumentar que estamos numa República federativa, onde é preciso assegurar o equilíbrio da representação das várias unidades, pois esse papel cabe ao Senado, com seus três senadores por Estado e pelo Distrito Federal. Na realidade, a distorção na representação na Câmara é parte de um entulho autoritário ainda não removido, contra o qual os cidadãos se deveriam indignar.
Mas será preciso muita indignação e ação para corrigir essas distorções, em particular porque os eleitos por elas não querem fazer isso, pois elas os beneficiam. Como osso para cachorro, dar é uma coisa; retirá-lo é outra história.
Assim, nesta eleição de deputados federais e estaduais, tivemos no domingo mais uma passagem da nossa democracia-cometa. Houve esse efêmero contato entre eleitores e eleitos, com estes recebendo um mandato do qual em geral os cidadãos não pedirão contas e os mandatários também não tomarão a iniciativa de prestá-las. Daqui a quatro anos haverá mais uma passagem desse cometa. Entre uma e outra, permanecerá a democracia à moda brasileira, farsante no processo de escolha dos deputados e também na forma como exercem seus mandatos.
Nesse quadro, é difícil não concordar com aqueles que acham que no Brasil o cidadão faz o papel de palhaço.


Editado por Giulio Sanmartini   às   10/05/2006 01:00:00 PM      |