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REFÉNS DO PENSAMENTO POLITICAMENTE CORRETO
Por João Luiz Mauad em Mídia sem Máscara
Leio no "Globo on Line" que o ministro Marcelo Ribeiro, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), considerou ofensivos aqueles adesivos, muito bem bolados, por sinal, que estampam a figura de uma mão esquerda, com apenas quatro dedos, inserida em um círculo vermelho cortado por um traço diagonal.
A decisão foi tomada em caráter liminar, no julgamento de uma ação ajuizada pela líder do PT no Senado, Madame Ideli Salvati (digressiono: é interessante notar como os petistas, quando acusados de falta de ética, e não são poucas as razões para tanto, não raro procuram colar em seus algozes a pecha de moralistas - um conceito, convenhamos, tão abrangente quanto difuso. No entanto, são os primeiros a apelar para o moralismo mais arcaico e descarado, quando isso convém aos seus interesses eleitoreiros).
O ministro também recomendou à Polícia Federal a abertura de inquérito para identificar a autoria do material (nova digressão: sabem como é, os agentes da PF andam com tempo sobrando, sem nada mais importante a fazer. A propósito, bem que o digníssimo poderia recomendar também à PF, em nome da lisura das eleições, que ela agilizasse o inquérito sobre a origem do dinheiro para a compra do dossiê fajuto).
Segundo consta ainda da notícia, o Dr. Marcelo afirmou que o tal adesivo é uma forma ilegal de campanha política, pois, nas palavras do mesmo, "atenta contra a dignidade da pessoa humana, promovendo discriminação em razão de deficiência física", podendo, "em tese, configurar crime contra a honra, relacionado com o processo eleitoral".
"Atenta contra a dignidade humana"? Como assim, Ministro? De acordo com o Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa, a palavra "dignidade" abriga cinco significados, a saber:
1 - qualidade moral que infunde respeito; consciência do próprio valor; honra, autoridade, nobreza;
2 - qualidade do que é grande, nobre, elevado;
3 - modo de alguém proceder ou de se apresentar que inspira respeito; solenidade, gravidade, brio, distinção;
4 - respeito aos próprios sentimentos, valores; amor-próprio;
5 - prerrogativa, honraria, título, função ou cargo de alta graduação.
Como se vê, nenhum dos significados preenche os requisitos necessários para transformar o indigitado (ops! Perdão pelo trocadilho) adesivo num atentado contra a pessoa humana, conforme a sentença de Sua Excelência. O significado 4 seria o único que poderia coadunar-se com a afirmação mas somente se o presidente, algum dia, tivesse manifestado qualquer constrangimento ou vergonha pela ausência do dedo mínimo, o que não parece ser o caso, já que faz questão de mostrar a mão esquerda sempre que pode e, portanto, não se envergonha nem um pouco dela.
Longe de mim pretender ensinar o Padre Nosso ao vigário ou insurgir-me contra uma decisão judicial, mas a mão tetra-digital é apenas e tão somente um sinal característico de alguém, como a falta de cabelo, a barriga grande, a magreza excessiva, a vesguice, o nariz avantajado ou quaisquer outros atributos físicos distintivos de determinada pessoa que, não por acaso, costumam fazer a alegria dos caricaturistas.
Por exemplo, a caricatura típica de Geraldo Alckmin, independentemente do chargista de plantão, é aquela que realça tanto a escassez capilar quanto o pontudo narigão. Nem por isso, que se saiba, o candidato insurgiu-se contra os cartunistas ou procurou limitar-lhes a liberdade de expressão. Aliás, convenhamos: é mais ofensivo à dignidade de alguém o fato de ser representado por um chuchu, leguminosa insípida, sem qualquer charme ou atrativo, do que pela mão sem a falange mínima.
Ademais, é preciso que o juiz atente para um detalhe que parece ter-lhe passado despercebido: a figura em questão não pretende induzir ninguém a não votar no presidente Lula porque ele possui apenas quatro dedos numa das mãos, o que, isto sim, configuraria discriminação. Como eu disse antes, aquela mão apenas informa, ao destinatário da mensagem, de quem se está falando. Ou será que o doutor Marcelo proibiria a veiculação de um desenho igual, onde a mão fosse substituída por um chuchu?
A propósito, ainda me lembro das últimas eleições nos Estados Unidos, onde a campanha do presidente Bush trazia cartazes mostrando uma mão com quatro dedos espalmados e um encolhido, característica do slogan "four more years". Os democratas, por seu turno, contra-atacaram colocando a mão republicana dentro de um círculo vermelho e um traço diagonal, produzindo algo muito semelhante à imagem atentatória recentemente proibida pelo TSE.
Para finalizar, é interessante notar a tibieza com que os nossos comentaristas da grande imprensa receberam a decisão do TSE. Até agora não li ou ouvi de nenhum dos próceres da liberdade de expressão qualquer menção ao fato. O silêncio chega a ser sepulcral. Definitivamente, nossa mídia encontra-se refém do famigerado pensamento "politicamente correto".


Editado por Giulio Sanmartini   às   10/27/2006 02:52:00 AM      |