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UMA MORTE ESPIRITUAL
FÁBIO KONDER COMPARATO, em artigo publicado pelo Centro Acadêmico Cândido de Oliveira - CACO, edição de junho de 1998 – “CRÍTICA”, escreveu sobre “UMA MORTE ESPIRITUAL”, referindo-se à Carta vigente:

Não sejamos ridículos. A Constituição de 1988 não está mais em vigor. É pura perda de tempo discutir sobre se a conjunção “e” significa “ou”, se o “caput” de um artigo dita o sentido do parágrafo, ou se o inciso tem precedência sobre a alínea. A Constituição é, hoje, o que a Presidência da República quer que ela seja, sabendo-se que todas as vontades do Planalto são confirmadas pelo Poder Judiciário.
As Ordenações Filipinas, que vigoraram entre nós por muito tempo, mesmo depois da independência, cominavam dois tipos de pena capital: a morte natural e a morte espiritual. A primeira atingia o corpo, a segunda a alma. O excomungado continuava a viver, mas só fisicamente: sua alma fora executada pela autoridade episcopal, com a ajuda do braço secular do Estado.
Algo de semelhante aconteceu com a nossa Constituição. Ela continua a existir materialmente, seus exemplares impressos podem ser adquiridos nas livrarias (na seção das obras de ficção, naturalmente), suas disposições são sempre invocadas pelos profissionais do direito no característico estilo "boca de forno". Mas é um corpo sem alma. Hitler, afinal, não precisou revogar a Constituição de Weimar para instaurar na civilizada Alemanha a barbárie nazista: simplesmente relegou às traças aquele “pedaço de papel”.
A única razão de ser de uma Constituição é proteger a pessoa humana contra o abuso do poder dos governantes. Se ela é incapaz de exercer essa função, porque o Governo dita efetivamente a interpretação de suas normas, ou no limite as revoga sem maiores formalidades, seria mais decente mudar a denominação do documento - "O Presidente da República, ouvido o Congresso Nacional e consultado o Supremo Tribunal Federal, resolve: a Constituição da República Federativa do Brasil passa a denominar-se Regimento Interno do Governo.
No início do século, Rui Barbosa trovejou contra o presidencialismo brasileiro, qualificando-o como “ditadura em estado crônico, a irresponsabilidade geral, a irresponsabilidade consolidada, a irresponsabilidade sistemática do Poder Executivo”. Ele ainda não tinha visto o monstro em sua plena maturidade. Naqueles felizes tempos, a ditadura presidencial só se exercia no âmbito do Poder Executivo. Hoje, ela compreende também o poder de legislar e o de emendar a Constituição, tudo sob as vistas complacentes do Judiciário.


Editado por Adriana   às   9/03/2006 11:10:00 PM      |