Por Dora Kramer em O Estado de São Paulo Pelo que se depreende das declarações da área política do governo, aí incluídas as manifestações do presidente Luiz Inácio da Silva, o problema não foi a Bolívia completar a tomada das refinarias da Petrobrás sem pagamento de indenização e com confisco das receitas; o problema foi o presidente Evo Morales fazer isso às vésperas das eleições presidenciais brasileiras. Em miúdos: prejudicar os negócios da companhia, e por conseqüência os do País, não abala os nervos do governo brasileiro. Agora, quando se trata da reeleição de Lula, como ele mesmo diz, 'paciência tem limite'. E o limite, pelo visto, são os possíveis malefícios que a agressão boliviana, no momento, possam render à campanha do presidente. Sintomático, pois, é o 'adiamento' das negociações a respeito da decisão para depois do pleito. Note-se que a Bolívia não recuou. Concordou apenas em aguardar a passagem do momento eleitoral para não prejudicar eleitoralmente Lula, que tão generosamente em maio absorveu a agressão boliviana de modo a não atrapalhar politicamente Evo Morales, às voltas com uma eleição para Assembléia Constituinte.
A irritação do presidente Lula parece muito menos ligada aos danos causados aos interesses comerciais do Brasil do que ao fato de o colega boliviano ter rompido o acordo tácito segundo o qual uma mão lavaria a outra, depois da gentileza de Lula ter praticamente dado razão à Bolívia, por tomar com tropas do Exército as instalações da Petrobrás. Por mais que da perspectiva brasileira e das regras do mundo civilizado se condene o gesto do governo boliviano, haveremos de convir que o presidente daquele país trata dos próprios interesses e não os submete às condições dos parceiros, por mais amigos e amenos que sejam. Inclusive porque só o governo brasileiro parece considerar possível administrar uma questão de Estado sob a lógica do compadrio ideológico. Levou um contravapor e abespinhou-se porque se considerou traído por Evo Morales. Talvez por considerar como certa a recíproca de fidalguia eleitoral por parte do presidente boliviano. Ele, com todas as deformações típicas de quem não tem nada a perder - ou pelo menos pensa que não tem, pois vê firmeza no muro de arrimo de Hugo Chávez -, não hesitou em agir conforme os ditames da crise interna que já enfrenta seu governo. Nem o Itamaraty nem os interlocutores paralelos do governo brasileiro foram capazes de detectar nenhum sinal do que viria. Confiantes como dantes, a despeito de todas as promessas eleitorais de Morales e da agressividade com que tratou o governo brasileiro em meio à crise de maio, foram pegos de surpresa. Todos se perguntam se haverá efeito eleitoral maléfico para Lula. Quase impossível haver. O que há é a evidência de que o governo brasileiro deixou os assuntos de Estado de lado para mobilizar todas as suas energias para a campanha. Ao ponto de não perceber o que se passa fora das fronteiras do campo eleitoral.
Editado por Giulio Sanmartini às 9/16/2006 12:09:00 PM |
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