Por Ana Maria Tahan no Jornal do Brasil O Brasil vive tempos estranhos.Ética é uma palavra com vários significados. Poucos têm a ver com o que prescreve mestre Aurélio no seu dicionário. Lá se aprende que ética é o "estudo dos juízos de apreciação referentes à conduta humana suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de modo absoluto". O bem é ético; o mal, não. Em política, bem e mal são conceitos mais do que subjetivos. Cada um escolhe a tradução que mais lhe convém. Não seria outra a explicação para a inversão de papéis e conceitos da semana que termina hoje. Só assim se explica, por exemplo, o choro do senador paraibano Nei Suassuna ao depor no Conselho de Ética do Senado em meio a juras de inocência e a acusações contra o assessor. Pura encenação. Um dia depois, outra auxiliar de gabinete revelou que o parlamentar chorão comandou a falsificação da própria assinatura. E tudo está assim. Parado. O senador mantém o mandato e a campanha à reeleição na Paraíba. Em seguida, descobriu-se a artimanha montada pela dupla Duda Mendonça-Luiz Gushiken. Nos tempos áureos do mandato petista, quando um dizia o que o presidente devia encenar e o outro ditava as regras da comunicação do Planalto para o país, mandaram confeccionar centenas de milhares de cartilhas sobre os feitos do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Inventivos, montaram uma fórmula mágica e barata de distribuir o material: usar os diretórios do PT espalhados pelos grotões e metrópoles do Brasil. O partido, sem nenhum pudor, andou espalhando à farta o material na campanha pela manutenção do chefe-supremo no poder.
Revelada a tramóia, algum deles ruborizou? Nenhum. Nem o presidente, nem Duda (que até anda sumido), nem Gushiken, nem Ricardo Berzoini, comandante do partido. Acusaram o Tribunal de Contas da União, que flagrou a maracutaia, de levantar o caso e cobrar a devolução de R$ 11,7 milhões aos cofres públicos com objetivos eleitorais. E ainda se concederam o direito da indignação. Refrescar a memória é sempre bom. Duda Mendonça foi aquele que confessou o crime de lavagem de dinheiro durante depoimento à CPI dos Correios. E Gushiken perdeu o posto de ministro e hoje se esconde em algum gabinete do Planalto porque é suspeito de usar politicamente os fundos de pensão e de manipular a distribuição de verbas federais. Basta ou quer mais? Porque tem mais. A Petrobras, nossa estatal do petróleo que perde terreno até para a ciclotimia do boliviano Evo Moraes, distribuiu dinheiro a rodo para prefeituras do PT e de partidos governistas durante meses, até o início da campanha eleitoral. Nada demais, alega a estatal. A escolha baseou-se em projetos sociais, foi a explicação da empresa. Singela. Para não ficar só nisso, Fernando Collor renasceu qual Fênix, destituiu o laranja que concorria ao Senado, assumiu o posto e agora falsifica pesquisas. Isso mesmo. No dia em que a TV Globo divulgava o Ibope da corrida para a Presidência, os governos estaduais e o Senado, a TV Gazeta, do grupo de comunicação do ex-presidente, usou os dados apenas parcialmente. Tinha sua razão: no Ibope, Collor aparecia com 26% das preferências do eleitor alagoano, atrás do ex-governador Ronaldo Lessa, líder com 35%. A emissora preferiu os números do Instituto Gazeta Pesquisa. Collor passou a 36%, Lessa desceu 32%. No país do faz-de-conta chamado Brasil, denunciados ficam indignados com denúncias. E não reconhecem o direito dos brasileiros de se indignar contra os criminosos, falsificadores e loroteiros.
Editado por Giulio Sanmartini às 9/16/2006 03:28:00 AM |
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