Entrevistas
Arthur Virgílio
Gerson Camata
Júlio Campos
Roberto Romano - 1ª parte
Roberto Romano - 2ª parte
Eluise Dorileo Guedes
Eduardo Mahon
p&p recomenda
Textos recentes
Arquivo p&p
  
O INSULTO E O TEMPO HODIERNO
Por Jarbas Passarinho, escritor em o Estado de São Paulo
O resultado das eleições de 2002 trouxe para o Senado novos parlamentares imbuídos da idéia de que estavam constituindo um corpo legislativo da mais alta Casa do Parlamento, que resgatava a integridade moral do Senado e lhe devolvia a independência constitucional. Referindo-se ao Senado do passado próximo, disse-o "sepulcro caiado" a nobre senadora Heloísa Helena, convertida ao socialismo pela "leitura da Bíblia". A conceito semelhante também se referiu o não menos nobre senador Jefferson Peres, que consta ter sido inicialmente eleito senador no Amazonas como quadro do Partido Comunista.
O ministro Paulo Brossard, uma das vozes mais respeitadas e aplaudidas nas verrinas que pronunciava contra o fim do ciclo militar, não se conteve. Defendeu o Senado a que pertenceu, escrevendo um belo artigo sob título Nós tínhamos princípios. Já então líder da oposição ao governo João Figueiredo, suas orações vigorosas, mas não impolidas e chulas, comandavam o PMDB, que não raro derrotava projetos do governo. O Parlamento, mesmo sob o AI-5, não sendo, segundo a classificação clássica da sociologia política, mera Câmara de chancela - como nos regimes totalitários -, fora reativo, embora não ativo. A prova está na reação quando a minoria negou aprovação à proposta de emenda constitucional apresentada pelo presidente Geisel para mudar a Lei da Magistratura. É fato que o presidente, dados os poderes arbitrários de que dispunha, pôs o Congresso em recesso, editou a lei como desejava e foi mais longe: reformou capítulos inteiros da Constituição. Pôde fazer o máximo, não, porém, o mínimo, pois o PMDB, que já detinha mais de um terço dos congressistas, galvanizado pela palavra do grande tribuno gaúcho, impediu a aprovação da Lei da Magistratura. Éramos, pois, um Parlamento reativo, até que o autoritarismo deu lugar à democracia, graças à Emenda Constitucional nº 11, de outubro de 1978, relatada pelo senador José Sarney, indicado pelo próprio presidente Geisel. Todas as medidas de exceção foram revogadas, a começar pelo AI-5, e restauradas as liberdades políticas e civis. Uma prova substancial está na proposta de emenda constitucional para a eleição direta de presidente da República, de autoria do deputado Dante de Oliveira, que gerou poderosa manifestação popular das "diretas já". Posta a votos, foi derrotada por muito pouco. Creio que por 16 votos, e causou a retirada de proposta semelhante encaminhada pelo presidente Figueiredo ao Congresso em 1984.
O Congresso já não é feito de "sepulturas caiadas" ou "vassalo do Executivo". Totalmente ativo, tem, infelizmente, a atividade comprometedora da integridade moral e da independência, embora harmônica, com os dois outros Poderes da União. Ora se vende, em parcela numericamente significativa, para receber mensalidades em troca de aprovação dos projetos do Executivo, ora emenda o orçamento da União sordidamente em conúbio com firma privada que, em compensação da venda superfaturada das ambulâncias, lhes dá propinas maculadoras da decência e do decoro, sob a aparência generosa de preocupação com a saúde do povo, em aliança com prefeitos de municípios desprovidos até de ambulâncias para mandar enfermos para longínquos hospitais.
Em ambos os casos, é a democracia representativa que se fragiliza. Nela, o votante despede sua soberania e a transfere a um representante, deputado ou senador, na esperança de ter escolhido o melhor para representar seu pensamento, suas convicções políticas, sua moral. Mas não percebe que a política e a moral não têm o mesmo fim. A moral implica o cumprimento de um código de conduta, a política é a busca do poder. O ideal seria que todo político fosse um homem de bem. Muitos são irrepreensíveis, mas não todos. Por isso o eleitor pode equivocar-se e mandar para o Congresso aquele que se conduz conforme o Breviário do cardeal Mazarin, em que a regra é a dissimulação, o oportunismo ou o uso da força. Mas de um político se espera ao menos que se devote ao bem do povo, ao bem do Estado e seja ético. O que a sucessão dos escândalos, desde o mensalão aos sanguessugas, tem mostrado, à senadora por Alagoas e ao senador pelo Amazonas, irrepreensíveis ambos, é que o insulto que fizeram a nós, parlamentares de três ou quatro legislaturas anteriores, cabe não a nós, mas aos seus pares, ainda que poucos no Senado, porém em meio a quase uma centena de deputados ímprobos, acusados por empresários que os depravaram.
Como sempre, os acusados negam o crime. No entanto, as provas dos donos da Planam vão além do testemunho. São provas materiais a coincidência das datas das emendas ao orçamento e a contemporaneidade dos registros dos depósitos bancários, por vezes no próprio nome e, os mais espertalhões, em nome de terceiros, assessores ou parentes. É essa gente que o nobre senador João Alberto, presidente do Conselho de Ética do Senado, pode sugerir inocência, quando diz que a palavra dos empresários desonestos é uma palavra de bandidos. Na verdade, bandidos, vendilhões de voto ou recebedores de propinas decorrentes do dinheiro público são os que maculam o Congresso e trazem a desesperança ao povo que neles votou e à democracia representativa, que se torna ineficaz para garantir o decoro do Legislativo.
A ilustre senadora Heloísa Helena é candidata a presidente da República. Expulsa do PT, desse partido tem, hoje, a pior imagem. Terá concluído que pertenceu a um cemitério de sepulcros caiados sobre os quais vela o líder que supôs exemplar e de quem o que menos diz é que não só sabia dos escândalos do "núcleo base" como deles participava.
Do insigne senador Jefferson Peres leio que, desalentado, acha que São Tomás de Aquino errou quando disse que a finalidade da política é o bem comum. Vai despedir-se dela.


Editado por Giulio Sanmartini   às   9/05/2006 08:39:00 AM      |