por Guy Sorman no Diário do Comércio Entrar para as SS aos 17 anos é compreensível: Günter Grass certamente não tinha escolha. Mas, dissimular o fato durante 60 anos, distribuir lições de moral aos alemães, atacar nazistas ou os suspeitos de aderir ao nazismo, bem como os neonazistas ou os criptonazistas, este é o fato surpreendente. Um tour de force que Günter Grass, ele mesmo, se confessa incapaz de explicar: tanto seu silêncio quanto sua confissão. Sessenta anos de mentiras, que ilustram o quanto se pode ser simultaneamente um grande artista e de uma grande imoralidade. Um tormento para o espírito, talvez, mas que pode, num só movimento, se tornar um mágico das palavras, formas e sons e se manter desnudo de todo senso moral, quanto mais de um bom senso elementar. Basta lembrar, para ficar na Alemanha, que artistas inconstestáveis (como Leni Riefenstahl, Arno Breker, Wilhelm Furtwängler) se acomodaram tranquilamente sob o regime nazista. Numa excursão pela França, é possível recordar - e nunca é demais - que Jean-Paul Sartre, durante toda a Segunda Guerra Mundial, esqueceu de protestar contra o nazismo e o anti-semitismo... Günter Grass se inscreve nessa tradição esquizofrênica. A menos que, como Sartre, ele tenha colocado a si mesmo, por ser artista, acima de toda moral.
Mas neste caso - um caso especificamente alemão - se o artista é culpado, ele não o é nem mais nem menos do que seu público e os meios de comunicação que o idolatram. Porque Günter Grass, para além de seus romances (três deles espetaculares e três ilegíveis), ao longo de toda sua fenomenal carreira pública nunca deixou de adotar posturas que inspiravam a consternação. Homem "de esquerda", uma esquerda absoluta, ele desposou todas as piores causas de sua geração, sem esquecer nenhuma, e aprovou as revoluções sanguinárias de Cuba e da China. Sempre disposto a atacar esses fascistas norte-americanos, Ronald Reagan e George W. Bush, é claro (sem nenhum risco), mas sem nunca denunciar minimamente o fascismo de Mao Tsé-tung? Ou aquele dos islâmicos? Günter Grass foi pacifista quando não deveria ter sido, durante os anos 1980; naquela época, François Mitterrand, sem dúvida alguma se referindo a todos os outros Günter Grass alemães, observou com diplomacia que se os pacifistas estivessem a oeste, os foguetes estariam a leste. E quando chegou a hora da reunificação alemã, ele se opôs a fim de preservar o patrimônio socialista da RDA. Contra, segundo ele, a colonização da Alemanha Oriental pelos capitalistas da Alemanha Ocidental. Alguns dizem que seu passado na SS faria dele um otage de la Stasi, os serviços secretos orientais, que teriam ditado suas escolhas políticas, mas não se pode afirmar isso com certeza. E quando Günter Grass (era 1988) passou uma temporada em Calcutá, a convite do governo local, ele escreveu um livro, pouco lido, absolumente negativo para os indianos, que apareciam na obra como uma raça inferior. Um livro de gosto duvidoso, mas os desenhos de Grass que o ilustram são esplêndidos, demonstração da discordância entre o talento imenso e a moral abandonada. Considerar Günter Grass como uma autoridade moral, espírito livre por excelência, foi um erro evitável, e não teria sido necessário aguardar a revelação da sua vida dupla. Um erro que não poupou nem mesmo a não-esquerda alemã, que ainda assim nunca santificou Günter Grass, e não porque ele se dizia de esquerda, mas porque ele atentou contra a realidade de seu próprio tempo. Àqueles que hoje, na Alemanha ou fora da Alemanha, confessam sua miopia, seu erro de julgamento ou que ainda tentam se justificar, lembremos que era possível não mergulhar no fetichismo de Grass. Na Alemanha, ou no resto da Europa, nem todos sucumbiram. Apesar do Prêmio Nobel de Literatura ou em razão desse prêmio de histórico duvidoso. O erro e a concordância não eram indispensáveis, nunca são. Günter Grass, um caso alemão? É verdade, as SS são alemãs. Mas, como deixar de pensar que uma geração inteira de intelectuais e artistas europeus, na França principalmente, auto-proclamados de esquerda, a tal ponto que nem mesmo esta palavra fazia mais sentido, nunca deixou de adotar posturas morais para ilustrar causas absolutamente imorais. Como não ver surgir os espectros, naqueles que ontem amaram Stálin e Mao, dos que, em breve, vão chorar por Castro? Aqueles que nada viram de Moscou, Pequim, Havana, Teerã e Sarajevo? Aqueles que, agora, enxergam no islamismo uma redenção para o ocidente? Todos, esta grande armada de espectros, de erros absolutos, graças a Deus, nunca deixaram de se enganar sobre o futuro. A degradação de Günter Grass soa como uma impostura esculpida em consciência moral? Infelizmente não. Porque, para além desse caso singular, não se desconfia o suficiente do grande escritor e da estrela daqueles que abusam de sua educação para propagar opiniões políticas, somente políticas, mas disfarçadas. Não nos perguntamos o suficiente se a postura midiática é ditada pelo conhecimento? Ou pelo narcisismo, a moda, o prazer do escândalo e do interesse financeiro? Nos protegemos do homem político, eleito democraticamente, quanto mais ele avança. Não nos protegemos o suficiente do artista de talento dissimulado, principalmente quando seu talento é grande. Dos mágicos moralistas não desconfiamos nunca o suficiente.
Editado por Giulio Sanmartini às 9/02/2006 04:01:00 AM |
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