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SETE GANHADORES DE NOBEL E O BRASIL
Por Roberto Macero em O Estado de São Paulo
A Veja de 16 deste mês publicou matéria em que sete ganhadores do Nobel de Economia avaliaram por que o produto interno bruto (PIB) brasileiro cresce muito pouco. No século passado e até os anos 70, nossa economia era uma das que mais se destacavam mundialmente por seu forte crescimento. A partir de 1980 seu desempenho tem sido pífio, tanto relativamente ao passado como, nos dias de hoje, em comparação com outros países chamados emergentes, como China, Índia e Chile.
Foram entrevistados Gary Becker, Douglass North, Robert Solow, Robert Mundell, Paul Samuelson, Edward Prescott e James Heckman. A maioria sentiu-se mais à vontade em mostrar por que esses três países crescem mais do que em explicar por que o Brasil cresce menos. Nessa avaliação, chega-se a apontar até o domínio da língua inglesa por indianos como um dos fatores do crescimento de seu país. De qualquer forma, por mais que estejam desligados da nossa realidade nacional, é interessante saber como roncam esses sábios sapos de fora.
A visão dominante entre economistas brasileiros enfatiza problemas concentrados no setor público. Por décadas, e principalmente após as benesses da Constituição de 1988, o persistente e forte aumento dos gastos públicos levou a uma carga tributária excessiva para o grau de desenvolvimento do País. Mesmo com ela, sucessivos déficits conduziram a uma dívida pública desconfortável por seu alto custo, com juros altos que derivam da percepção de risco que o mercado tem dessa dívida e da forma como a inflação é enfrentada pelo Banco Central. Ou seja, de modo isolado e somente com a taxa básica de juros. Em cima dela vêm enormes spreads colocados por um sistema financeiro que muito mal desempenha seu papel de financiar o consumo e o investimento, inibindo, assim, o crescimento.
Com o fraco crescimento, as importações crescem pouco relativamente às exportações e pressionam para baixo a taxa de câmbio em reais por dólar, que também sofre o mesmo efeito dos juros elevados, que atraem dinheiro de fora para ganhá-los. Dado o real valorizado, as exportações crescem menos do que poderiam crescer, inibindo uma maior contribuição sua para o PIB e os investimentos no setor exportador. Agravando esse quadro de uma economia carente de maior capacidade produtiva, do muito que tributa e se endivida o governo e quase nada destina a investimentos para suprir essa carência, como os em infra-estrutura. Como síntese desse quadro, e tendo em conta que o motor do crescimento são os investimentos públicos e privados, os primeiros são fraquíssimos e os últimos (de empresas e famílias) se inibem particularmente pelos juros elevados e pelo câmbio valorizado.
São raros os economistas brasileiros que vão além dessa visão e perguntam: por que é assim? A grande lição dada pelos entrevistados é que eles não vêem as variáveis econômicas num sistema fechado, mas sim como resultantes de outras, institucionais, políticas e sociais.
Assim, nenhum dos sete mencionou especificamente os juros altos. Apenas três falaram dos impostos (Becker, Mundell e Prescott), igual sobre o número dos investimentos (Solow, Prescott e Mundell), e só um tocou no câmbio (Mundell). Mas foram além ao realçar determinantes das variáveis enfatizadas pelos economistas. Assim, há referências ao excesso de burocracia (Becker e Heckman), subjacente ao excesso de gastos públicos, o que também transparece na ênfase que Prescott dá à necessidade de poupar mais. O excesso de burocracia e de regulamentações também dificulta a competitividade entre empresas e pessoas, além de aumentar custos para quem queira fazer os negócios que movimentam a economia.
Samuelson diz que buscaria explicações na política e também na sociologia, neste caso falando da herança, "do catolicismo português, de uma sociedade sem tradições igualitárias". Nessa turma, o mais ligado ao Brasil, Heckman, ressalta o papel dos políticos brasileiros com sua visão de curto prazo da redução de desigualdades, o que leva à maior ênfase na distribuição de dinheiro vivo aos pobres do que na destinação de recursos às crianças e ao aprimoramento da qualidade das escolas. Ele não entra em detalhes, mas neste momento eleitoral é claro o interesse do presidente-candidato em beneficiar eleitores com o Bolsa-Família e com fortes aumentos do salário mínimo, entre outras medidas. Para as crianças, nada. Nos investimentos em infra-estrutura, fica-se no tapa-buracos.
Essas lições de laureados pelo Nobel de Economia refletem a maturidade, a sabedoria e a segurança de pessoas que não se limitam a visões isoladas e estreitas do que se passa na esfera econômica. A própria premiação tem contemplado os que avançam nessa direção, como North e suas pesquisas sobre os aspectos institucionais.
Os economistas acadêmicos têm todo o direito de se isolar num mundo onde tudo se reduz à ótica econômica. Entretanto, os que têm a igualmente legítima pretensão de tirar de seu trabalho implicações para a ação governamental, e assim influenciar a realidade brasileira, não podem ser ingênuos a ponto de ignorar o ambiente institucional, político e social em que essa ação se desenvolve. Sem levá-lo em conta, o que pregam será de efeito muito limitado por desprezar os interesses de pessoas e de grupos, consolidados em instituições que resistem fortemente a mudanças.
É aí que está o nó da economia brasileira, e é preciso ter a sabedoria e a coragem desses expoentes da profissão que não vacilam em ir além do campo estrito da ciência econômica, e procuram torná-la muito mais abrangente e mais eficaz em suas análises e recomendações.


Editado por Giulio Sanmartini   às   8/24/2006 09:04:00 AM      |