Por Ipojuca Pontes, cineasta em Mídia sem Máscara Quando escrevo sobre Fidel Castro, o eterno ditador cubano, sempre tenho presente a frase de sua filha, Alina (Fernández) Revuelta que, na autobiografia “Alina – Memórias de la hija rebelde de Fidel Castro” (Plaza & Janés Editories - Barcelona, 1977), referindo-se ao sangrento regime criado pelo pai, afirmou: “O grande problema deste país é que várias gerações embarcaram na conquista de um sonho, mas só alcançaram um pesadelo e não querem reconhecê-lo”. Convenhamos: a frase, lapidar, expressa toda a tragédia que se abateu sobre o povo cubano e sobre a própria Alina, uma vítima que só escapou do sistema comunista e da vilania paterna quando, já aos 40 anos, quase por milagre, conseguiu evadir-se da ilha-cárcere fantasiada de turista francesa, rosto mascarado por uma grossa camada de pó e carmim, envolta numa capa escura e boina de Chanel: “Só escapei desapercebida graças ao fato de chamar a atenção” - escreveu ela, dando um ponto final na narrativa e aproveitando a deixa para, de passagem, acicatar o brutal serviço de segurança de Fidel.
Ao contrário do que se possa imaginar, o livro de Alina não é um ajuste de contas com o pai, sempre autoritário e ausente, nem tão pouco um panfleto ordinário, financiado pelos cofres da CIA. Ao fazer o relato de sua vida pessoal e familiar na ilha de Castro, ela se mostra uma escritora de força e coragem, capaz de dar a conhecer, ao lado das aflições e desditas existenciais, toda uma realidade política, social e econômica que tornou o povo cubano vítima de um eterno e sinistro pesadelo. De mansinho, mas sempre com ironia e senso de humor, ela dá conta da miséria física e moral que lastreia o Império Caribenho de Fidel. Ela fala, por exemplo, da tortura das “cadernetas” - cartilhas de racionamento de comida, roupa, sapatos e produtos básicos, inventadas para funcionar temporariamente desde os anos 60 mas nunca extintas; da nefasta “botella” - cubanismo para se denominar as sinecuras da alta cúpula do governo; do apelo à “Rádio Bemba” - o boca-a-boca com que o nativo procura driblar a virulenta censura do regime ditatorial; da amarga “Opção Zero” - a denominação dos largos períodos de desabastecimento, particularmente desencadeados após a desintegração da União Soviética e a suspensão da ajuda de mais de US$ 5 bilhões anuais. Ela se reporta também ao “Cordão de Havana”, a tentativa de abastecer a ilha a partir das fracassadas plantações de café e açúcar nos arredores da capital cubana; da “Escória” de El Mariel, referência lúgubre a legião dos que tentam fugir do terror e da fome endêmica da Pátria (e muerte) do Socialismo latino, especialmente aos 120 mil cubanos que, em 1990, abandonaram a ilha rumo aos EUA; o caso da própria mãe, Naty Revuelta, uma “burguesa” que se apaixonou pelo revolucionário romântico e a ele “emprestou” dinheiro e jóias e depois foi largada de lado; e da permanente eliminação de dezenas e dezenas de “heróis da República de Cuba”, com destaque para o caso do general Arnaldo Ochoa, acusado de manipular o narcotráfico e depois levado ao “paredón”, uma prática banal na ilha-cárcere. Descrevendo a figura do avô, o galego Ángel Castro, pai de Fidel, Alina assim explica a origem do talento natural do filho tirano para convencer pessoas e chegar ao poder: “Quando o governo espanhol desmobilizou as tropas coloniais, concedeu ao Ángel um soldo de reforma, que ele aproveitou para retornar à tão sonhada ilha. Ele comprou um exíguo pedaço de terra em algum lugar da província oriental e começou a formar um sítio em um local chamado Birán. Pouco a pouco, à base de cercas removidas e replantadas com a cumplicidade da noite, foi se tornando um verdadeiro cacique”. “Mais interessante foi a maneira como (Ángel) conseguiu angariar a mão-de-obra mais gentil e barata: contratava seus longínquos conhecidos do vilarejo galego por períodos de 4 anos. Prometia ajudá-los a economizar, obrigando-os a comprar com vales em seu próprio armazém. Depois, quando já haviam cumprido a temporada de trabalho, levava-os a um lugar afastado e os matava”. Deixando de lado a vida pregressa do tirano, vamos ao resumo da ópera: hoje, com o novo avanço do Castrismo e suas práticas nefastas tomando conta do desorientado “imaginário” da América Latina - do qual o recente ingresso de Cuba no Mercosul de Chávez, Lula e Kirchner representa apenas a ponta do iceberg –, um recente relatório feito por certa Comissão para a Assistência de uma Cuba Livre, posto em circulação pela secretária de Estado Condoleezza Rice, dos Estados Unidos, propõe a criação de um fundo de US$ 80 milhões com o objetivo de apoiar uma “transição democrática” na ilha, tendo em vista a futura incapacidade física do ditador octogenário, no poder desde 1959. O apoio dos EUA, considerado estratégico, só seria posto em prática caso o povo cubano o solicitasse. Ah, meu Deus, seria cômico se não fosse patético! O apoio do Tio Sam chega com pelo menos 45 anos de atraso, desde a invasão da Baía dos Porcos, quando o democrata John Kennedy, um obcecado sexual, depois de consentir o apoio logístico da CIA ao Exército Cubano de Libertação, formado por exilados em Miami e proprietários de empresas americanas tomadas por Fidel, simplesmente desautorizou a ação da Força Aérea dos EUA junto aos 1.200 invasores nos pântanos da Praia Girón, em 17 de abril de 1961, resultando deste ato de traição um verdadeiro massacre de mais de 500 homens, a maioria confiante na proteção aérea anteriormente acertada – o que resultou, por sua vez, na sobrevida da mais antiga ditadura da história moderna, responsável pela manutenção férrea de um regime de terror e fome que já aniquilou mais de 150 mil pessoas. Dá para entender?
Editado por Giulio Sanmartini às 8/01/2006 01:57:00 AM |
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