Editorial m O Estado de São Paulo As bondades eleitorais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva serão pagas principalmente a partir do próximo ano, mas o cidadão brasileiro já pode ter uma idéia do quanto essa conta será salgada. O chefe de governo já declarou não saber direito quando é presidente e quando é candidato e o efeito da confusão aparece nas contas federais. O governo central gastou de janeiro a julho 14,8% mais que um ano antes. No mesmo período, a receita líquida foi 11,2% maior que a de igual período de 2005. O resultado fiscal encolheu, mas a piora ainda foi disfarçada pela maior transferência de recursos das empresas estatais para o Tesouro. “O saco de bondades sempre acaba sendo aberto às vésperas das eleições e isso não é bom para a democracia”, disse o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Marco Aurélio Mello, comentando a anunciada antecipação do 13º salário aos aposentados e pensionistas. Mas o comentário vale para todas as bondades federais concentradas neste ano e associadas, indisfarçavelmente, ao esforço para a reeleição do presidente-candidato (ou do canditado-presidente). Ruim para a democracia, a gastança eleitoral é também um prenúncio de maior dificuldade para o controle das contas públicas neste semestre e no próximo ano. O governo terá dificuldade para cumprir a meta fiscal fixada para 2006 e 2007, constata o especialista em contas públicas Raul Velloso.
De janeiro a julho, o superávit primário do governo central, o dinheiro economizado para pagar juros e conter a expansão da dívida pública, ficou em 3,55% do Produto Interno Bruto (PIB). No período correspondente de 2005, havia chegado a 3,99%. Esses números são calculados pela diferença entre receitas e despesas não financeiras. Pelo critério do Banco Central, baseado nas necessidades de financiamento do setor público, o resultado também piorou, caindo de 4,26% para 3,62% do PIB entre janeiro e julho. Por qualquer dos dois critérios, vem diminuindo em 2006 a contribuição do governo central - Tesouro, Previdência e Banco Central - para a meta de 4,25% do PIB. Como o desempenho de Estados e municípios também tem piorado, será preciso um esforço extra, nos próximos meses, para se alcançar o objetivo do ano. Os gastos com pessoal e encargos sociais foram 11,4% maiores do que os de janeiro a julho do ano passado e subiram de 4,83% para 4,99% do PIB. O déficit da Previdência Social passou de 1,77% para 1,92% do PIB, já refletindo o aumento do salário mínimo acima da inflação. O aumento das contribuições, possibilitado pela expansão do emprego formal, foi insuficiente para impedir a deterioração das contas previdenciárias. O desempenho financeiro do governo teria sido pior, sem o aumento das transferências das estatais. Os dividendos pagos à União passaram de R$ 3,44 bilhões para R$ 6,38 bilhões, um aumento de 85,4%. Os dividendos pagos pela Caixa Econômica Federal cresceram de R$ 503 milhões, entre janeiro e julho de 2005, para R$ 1,1 bilhão neste ano. Este valor inclui uma antecipação de R$ 294 milhões, referente ao lucro projetado para o segundo semestre. Os dividendos da Petrobrás saltaram de R$ 1,68 bilhão para R$ 2,34 bilhões. A gastança foi sustentada parcialmente, portanto, pelos preços altos do petróleo e pela rentabilidade dos bancos e de outras estatais. A despesa do governo central subiu de 17% entre janeiro e julho de 2005 para 18,2% do PIB nos meses correspondentes deste ano. A arrecadação tributária também cresceu bem mais que a produção nacional. Apesar das bondades fiscais, trabalhadores e empresas continuaram entregando ao governo uma parcela enorme do valor por eles produzido. Contestando o pessimismo de Raul Velloso e de outros economistas independentes, o secretário do Tesouro, Carlos Kawall, garante não haver risco de crise fiscal em 2006. Apesar disso, ressalva que será necessário um esforço muito maior para arrumar as contas públicas, nos próximos anos, porque não se poderá continuar aumentando a carga tributária. Isso mesmo disseram empresários ao presidente-candidato, num jantar na quarta-feira. A reivindidação, repetida há anos, foi formalmente bem recebida. Mas o bom manejo das contas públicas é antes de tudo uma questão política - e a política adotada neste ano aponta para a direção exatamente oposta.
Editado por Giulio Sanmartini às 8/28/2006 12:18:00 PM |
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