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FRANQUIAS DE IMPUNIDADE
Editorial em O Estado de São Paulo
Matéria publicada em nossa edição de domingo, da enviada especial a Boa Vista (RO), Angélica Santa Cruz, nos dá conta da espantosa capacidade de organização de um dos principais líderes do Movimento dos Sem-Terra (MST), desenvolvida em duas décadas de militância e liderança, em que tem conseguido impor um verdadeiro "padrão de qualidade" nas operações de um bando que sempre esteve fora da lei. Trata-se, como bem indica a matéria, da distribuição, por todo o território nacional, de uma espécie de franquia ("franchise"), da qual consta uma detalhada tecnologia de rebentação de cercas, invasão e ocupação de fazendas, destruição de plantações, depredações de sedes, matanças de animais, saques, cárcere privado e inúmeros outros atos de violência vandálica que, há tempos, têm espalhado o terror no meio rural.
"Os saques a caminhões e mercadinhos feitos em Pernambuco foram um dos momentos mais bonitos do MST... Havia 3 mil famílias acampadas e passando fome, falando em fazer saques. Ou a gente dizia que elas tinham sido derrotadas e deviam ir embora ou entendia o sentimento e as necessidades da base. Essa é a diferença entre ser dirigente e militante." Estas palavras de Jaime Amorim, o catarinense de 45 anos, formado em faculdade de pedagogia de Joinville, que nos últimos 19 anos organizou as operações do MST no Nordeste e de seu quartel-general em Caruaru (PE) partiu agora para a "conquista" da Amazônia, levando 220 famílias "empreitadas" para invadir a Fazenda Bamerindus, em Rondônia, nos esclarecem até sobre o revolucionário conceito estético, que vê beleza não só no desrespeito à lei, pelo esbulho possessório, como na dolorosa situação de sofrimento humano, causado pela fome.
A metodologia já começa a ser empregada no momento de escolha da propriedade a ser invadida. O próprio Amorim - remunerado mensalmente pelo MST - faz pesquisa, pela internet, além de consultar livros e mapas, para levantar informações sobre o lugar em que pretende fincar a bandeira vermelha do movimento. Em seguida, inspeciona o lugar pessoalmente - antes de invadir a região de Roraima lá esteve três vezes. No caso da Bamerindus, escolheu uma propriedade já desapropriada pelo Incra, para a qual cadastrou 200 famílias. Um número menor de invasores apareceu, mas para a ocupação os chamados sem-terra foram divididos em grupos de trabalho: uns cavavam fossas, que servissem de banheiro, alguns buscavam lenha, outros construíam barracos - e a orientação era para fazerem o maior número de construções, para dar maior visibilidade ao acampamento.
Aliás, como nas franquias a publicidade da marca é inerente ao êxito do negócio, o logotipo do MST - usado nas bandeiras, camisetas, bonés e no aparato geral do movimento - marca suas operações, ligando-se a todo o processo de ordem e disciplina com que tais bandos praticam, coletivamente, seus crimes contra a pessoa, a propriedade e o trabalho. Há que se dizer que o negócio emessetista se distingue de outras franquias pelo fato de estas não contarem, como aquele, com subsídios governamentais. Mas, agora, atingindo, com Roraima, 24 Estados do País, com sua direção nacional ditando os rumos gerais, mas deixando às lideranças regionais um bom espaço de autonomia, o MST também dá lições de eficiente descentralização federativa.
Como não poderia deixar de ser, no processo de expansão dessa organização prevalece o marketing ideológico, como o traduzido na justificativa de Amorim para chegar à Amazônia, que é o objetivo de "frear o agronegócio". Registremos, então, o que ele disse ao entrar em Roraima: "Não vamos deixar nenhum latifundiário em paz. Ele pode estar em sua casa de praia, mas não vai dormir sossegado, sempre ligando para o caseiro para ver se o cadeado da porteira ainda não foi quebrado." Não haverá uma conotação terrorista, nessa ameaça? Sem dúvida, colocando-se acima da lei e da Justiça, sabendo que sua existência "não oficial" (pois jamais quis ser registrado legalmente) o poupa de prestar contas até dos subsídios que recebe do governo por interpostas entidades "legais" (isto é, laranjas), o que o Movimento dos Sem-Terra espalha pelo Brasil afora é um modelo de atuação original: o das franquias de impunidade.


Editado por Giulio Sanmartini   às   8/05/2006 04:26:00 AM      |