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A INVASÃO CONSENTIDA
por Xico Vargas em no mínimo

O Rio de Janeiro, que ontem literalmente parou num grande pedaço do Leblon para participar com olhos e ouvidos das gravações de “Páginas da vida”, a novela de Manoel Carlos, é a mesma cidade que há cinco dias olha para um crime como se integrasse a paisagem.
Uma mansão de 15 quartos, ampla cozinha, dois salões, jardins e piscina, no Largo do Boticário, pérola do Rio antigo encravada no Cosme Velho, foi invadida por 19 famílias com a naturalidade que orienta a ocupação de velhos prédios públicos, propriedade de todos os brasileiros.
Endereço errado. A casa pertence à família Bittencourt – que foi dona do influente jornal “Correio da Manhã” silenciado definitivamente pela ditadura militar nos anos 1970. Estranhamente, porém, discute-se mais o estado geral do imóvel - e como se joga futebol numa sala de jantar - do que o fato de ter sido tomado por invasores um bem privado.
A polícia, que estacionou um carro no portão, lá está não para garantir o direito da velha proprietária, mas para observar eventuais exageros dos invasores, já que o prédio é tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural. O grupo de técnicos do Instituto que visitou ontem a mansão não cogitou da desocupação do bem que lhe cabia proteger. Apenas avaliou – finalmente - o estado geral, o que nunca havia sido feito.
Avaliar o quê, agora? Os invasores já pediram à Justiça liminar que lhes assegure a permanência. Por absurdo que pareça, isso significa que qualquer ação da proprietária para reaver o que lhe pertence deverá aguardar o julgamento da medida proposta por quem lhe tomou a casa. É uma espécie de transposição para a cidade do pensamento campesino de João Pedro Stédile, segundo o qual “o conceito de propriedade produtiva é discutível”. Como o lugar só pode produzir história e cultura, sempre será possível dizer que esses pratos não alimentam ninguém.
Talvez pela velocidade com que se multiplicam no campo, bem longe das novelas tramadas para paginar a vida no Baixo Leblon, esses episódios já não espantem o carioca. No entanto, quando fenômenos com esse grau de indigestão transbordam para o metabolismo das cidades, podem ser a fronteira definitiva do conflito entre os que tudo podem e os que tudo pagam.
Menos, certamente, no Rio de Janeiro onde, cada dia mais, as leis só atuam sobre quem acredita nelas.


Editado por Giulio Sanmartini   às   7/12/2006 07:49:00 AM      |