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DRAMA MEXICANO
por Miriam Leitão em O Globo
O México entrou num perigoso momento de sua vida institucional. Os analistas acham que a melhor hipótese é um resultado no fim desta semana, mas há o risco de só sair no dia 6 de setembro. Como o processo eleitoral mexicano foi montado sobre a desconfiança de fraude, há uma série de etapas nessa contagem de votos. Hoje começa a segunda etapa da contagem.
O que houve na segunda-feira é o que eles chamam de resultado preliminar. O Instituto Federal Eleitoral recebeu por internet as informações dos distritos eleitorais, as atas, e as contabilizou. Com 98% dessas atas contabilizadas, deu aquele resultado apertadíssimo, com menos de um ponto percentual, 400 mil votos, a favor do candidato do governo Felipe Calderón.
Hoje, às oito da manhã, hora do México, começa a segunda etapa do processo de contagem de votos. Em todas as sedes dos distritos eleitorais, representantes dos partidos e funcionários eleitorais estarão conferindo os votos. Os funcionários têm que ler em voz alta e os representantes dos partidos, com a cópia das atas nas mãos, dirão se aceitam ou não. Esse trabalho não pode ser interrompido. Na melhor das hipóteses, acaba na sexta-feira.
Naquela primeira etapa, todas as atas — ou seja: relatórios das seções eleitorais — que tinham algum problema foram separadas. Por exemplo: um candidato que não teve votos, o funcionário pode ter deixado em branco em vez de escrever zero. Por isso, o resultado é considerado “inconsistente”. Com a concordância dos partidos, que por lei têm que estar presentes em cada etapa desse processo de contagem, essas atas são separadas.
O candidato que teria ficado em segundo lugar, López Obrador, afirmou que três milhões de votos tinham sumido e o presidente do IFE disse que ele sabe muito bem que não sumiram: foram postas de lado por inconsistência atas que representam 2,6 milhões de votos e com a concordância do partido de Obrador. Os votos das urnas com problemas serão contados nesta segunda etapa do processo, que começa hoje.
Ao final, o Tribunal Eleitoral Federal dirá o resultado, mas os candidatos podem contestar. Terão, então, que pedir a impugnação de atas específicas, mostrando os problemas. Esse processo levará a novo período de conferência de votos e o prazo final para proclamar o resultado é o dia 6 de setembro. Porém, conseguir a anulação de fato da eleição é quase impossível, explicam os especialistas mexicanos.
Entrevistas que nós da coluna fizemos com especialistas mexicanos (tanto Débora, quanto eu, temos falado com especialistas e visitado vários sites nos últimos dias) mostram que o país nem de longe é o que foi antigamente. O México amadureceu, as instituições se aperfeiçoaram e, para fraudar uma eleição, é muito difícil. Para se ter uma idéia, todo o processo é monitorado pelas principais universidades do país.
Esta verdadeira corrida de obstáculos parece meio primitiva, mas é a forma de o sistema se garantir contra os erros do passado. O que houve é que López Obrador e seus militantes e partidários jamais imaginaram que perderiam as eleições e estão reagindo fortemente. De fato, a diferença é apertada demais para uma eleição presidencial.
Um dos cientistas políticos com quem a Débora conversou, Antonio Ortiz Mena, está, como todos, bastante preocupado com o impasse de agora, mas acha que tem um lado bom:
— Acho que isso de recontar os votos, neste e no próximo mês, pode ter apenas um lado bom, que é o fato de que, se confirmarem o ganhador, o perdedor não vai poder dizer que houve fraude; vai acabar com todas as dúvidas. De qualquer forma, esta instabilidade tem um custo imediato enorme. Acredito que tudo vá terminar bem, mas teremos um período sério de turbulência até se definir o resultado das eleições — diz.
Este era o cenário mais temido pelos politólogos mexicanos, como dissemos aqui antes das eleições: de o perdedor não aceitar o resultado. Criou-se um momento de impasse institucional preocupante. Mas, em algum momento, ao final de uma ou duas recontagens, haverá um vencedor. O problema é o dia seguinte da posse do novo presidente.
O eleito terá que governar tendo um terço da Câmara dos Deputados e um terço do Senado. Só governará se tiver apoio de uma das duas outras forças. Ou seja, o PRI — que por tanto tempo governou o México, do qual o país tentou se livrar e que é o único partido a reconhecer que perdeu esta eleição — será o fiel da balança. O novo governo só fará as reformas, ou aprovará as leis que quer, se o PRI o apoiar.
O México está enfrentando momentos de tensão nesta primeira fase pós-eleitoral e depois terá impasses legislativos que exigirão do vencedor capacidade de negociação. Na Bolívia, será parecido: o presidente Evo Morales ficou com 53% dos votos da assembléia que vai reformar a Constituição, mas precisa de dois terços dos votos para aprovar as novas leis. O eleitor latino-americano tem preferido entregar o poder aos seus eleitos, montando travas de segurança para que eles não tenham poder demais.



Editado por Giulio Sanmartini   às   7/05/2006 03:08:00 AM      |