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DESTRUINDO INIMIGOS
Por Christina Fontenelle (*)

Muito se tem falado sobre a questão da liberdade de imprensa, de seus vínculos ideológicos e da dependência cada vez maior dos veículos de comunicação brasileiros das propagandas dos governos e das grandes empresas que, por sua vez não estão interessadas em anunciar em veículos que afrontem os interesses desses governos – por receio de sofrer os mais diversos tipos de retaliação.
Não é novidade, no Brasil, que tudo que esteja relacionado com informação de qualidade – comprometida com a veracidade dos fatos – acabe sempre esbarrando na inviabilidade econômica. O mundo não é justo mesmo, o Brasil muito menos, e antes fôssemos todos nós educados na plena consciência disso.
A informação e o entretenimento são produtos de consumo como outros quaisquer. A lógica de mercado dita que a concepção de um veículo midiático deva se dar na medida de sua capacidade de venda diante de uma demanda determinada, considerando-se os custos, é claro. Os anunciantes aparecem em função do custo-benefício: anunciam se o investimento for muito bem recompensado pelos lucros gerados com a divulgação de seus produtos e serviços.
É uma relação comercial. Entretanto, os anúncios foram ganhando muito mais importância dentro dos veículos impressos principalmente, por causa da garantia prévia de cobertura dos custos - coisa que obviamente a venda ao público, no varejo, não pode dar. Na mídia audiovisual aberta (aquela em que não se paga para ter acesso), essa importância é infinitamente maior, por motivos óbvios.
Propaganda é diferente de anúncio publicitário. Os anúncios, como o próprio nome diz, são feitos para divulgar produtos e serviços, descrevendo detalhes sobre os mesmos, com objetivos relacionados a consumo e lucro. Já a propaganda está vinculada à divulgação de uma idéia, com o objetivo muito mais de convencer do que de esclarecer – no máximo para fixar uma marca. Ela não tem compromisso com o retorno financeiro de seu investimento.
Por isso ela foge do que se entende por relação comercial convencional, porque a moeda passou a ser uma espécie de troca de favores. Como só faz propaganda quem lida com o dinheiro alheio (aquele que não proveio de seu suor) ou quem pode se dar ao luxo de empregar dinheiro para divulgar sua imagem (e não diretamente os produtos que vende), somente governos e grandes empresas fazem propaganda.
A propaganda subverteu a lógica do mercado da comunicação, que, diga-se de passagem, se tivesse ficado restrito aos anunciantes, acabaria sendo influenciado por eles também – ainda que em menor intensidade. Por que a Internet é um pouco mais democrática no sentido de informar e divertir? Porque todo mundo paga para usá-la (provedor de acesso gratuito não serve para quem usa a internet como fonte de informação – e todo mundo sabe disso) e porque os custos de produção (de informações) são relativamente baixos.
Na verdade, o maior de todos os problemas é que os brasileiros não têm cultura de consumo de informação e muito menos a de pagar para obtê-la – mesmo que seja pouco. Por isso, aquilo que vemos nos filmes americanos, em que repórteres competem entre si, desesperadamente, pelos furos de reportagem e pelos sucessos investigativos, em nada se parece com o que acontece na realidade da imprensa brasileira.
Nos filmes, os repórteres correm atrás de prêmios e os proprietários dos veículos atrás de aumentar as vendas – é um lugar onde manchetes vendem jornais. Aqui não acontece nada disso. O brasileiro que consome mídia impressa o faz quando e se tiver disponibilidade financeira e costuma ler aquilo que todo mundo que convive com ele lê, nem que seja para dizer que está achando uma porcaria.
A mídia brasileira depende de propaganda do governo e das grandes empresas porque os brasileiros – 90% deles – vivem para comer e pagar contas, sendo que a maioria deles não consegue fazer nenhuma das duas coisas direito. Além disso, verdade seja dita: brasileiro tem preguiça de ler. É o tal do subdesenvolvimento outra vez. Se todo mundo tivesse que pagar também para ter acesso à radio e TV, elas não veiculariam muitas das porcarias que costumam impor e deixariam de ser cabide de emprego para os profissionais que não têm competência e muito menos compromisso com qualidade, verdade ou imparcialidade. De quebra, como consumidor, ninguém pagaria para ver propaganda enganosa, em forma de anúncio, propaganda ou da própria programação.
Imprensa que depende de propaganda não goza de liberdade nem de imparcialidade, principalmente se for dentro de uma república das bananas como é a nossa, onde o empresariado vive no fio da navalha, o povo é pobre e o governo é rico, graças ao dinheiro que tira dos dois, sendo, por isso, o maior de todos os anunciantes. Por causa disso, o governo acaba tendo poder de censura e o que não pode fazer por decreto (como quando tentou colocar rédeas na imprensa, por exemplo) o faz com o cerco econômico.
Boris Casoy foi um dos primeiros a sentir os efeitos deste cerco: teve que sair do ar – ele e sua equipe. Jô Soares, que havia criado uma bancada crítica – as meninas do Jô – dos acontecimentos políticos (embora todo mundo saiba que a maioria delas não tivesse a menor intensão de se indispor com a esquerda), entrou no ar este ano com ares de programa eminentemente à serviço da divulgação artística – não recebe mais ninguém que fale de política (só se for pra falar bem do governo). Nem mesmo para a Copa do Mundo o Jô foi. Joelmir Betting só fala com os olhos agora, no Canal Livre e no Jornal da Band (bom para quem entende olhares – coisa que muito pouca gente consegue).
O site e a revista Primeira Leitura deixaram um vácuo difícil de ser preenchido no cenário da informação – sem falar na falta que farão as palavras de Reinaldo Azevedo e de Rui Nogueira, que lá, tinham espaço para falar muito mais. Agora teremos que nos contentar em lê-los nos espaços limitados dos veículos para os quais costumam escrever:
"Primeira Leitura seguiu o caminho que achou correto, ciente das dificuldades que ele implicava; fez as críticas que julgou necessárias, tendo claro que a adesão a uns dois ou três dos mitos postos para consumo público poderia facilitar a sua trajetória, mas recusou o cálice do adesismo e repudiou o discurso fácil que nivela os crimes políticos pelo mínimo múltiplo comum, o que é hoje do interesse de quem dá as cartas " (palavras dos editores).
Mesmo sem estar ainda fatalmente atingidos pelo embargo econômico, muitos daqueles que costumam escrever e denunciar estão "jogando a toalha", uma expressão popular que significa desistir depois de lutar. Nino, do blog Minuto Político despediu-se do público e disse que vai tentar ser feliz em outro lugar – cansou de denunciar em vão as falcatruas do governo e a esquerdização do país:
"Releguei a segundo plano minha vida pessoal e profissional por que acreditava que, demonstrando e trabalhando pela insatisfação que me amargurava o coração com tudo o que assisti, exerceria minha condição de cidadão. Mantive a esperança vã de que pudesse ser ouvido e de juntar gritos de rebeldia cada vez mais numerosos, que dessem um basta à tudo de ruim que temos assistido. Balela".
Um dos nossos mais bravos guerreiros, Diogo Mainardi, anunciou: "Depois de quatro anos, com dezenas de artigos sobre o Papa-Léguas lulista, o esquema se desgastou. No ano que vem, mudo definitivamente de assunto. Até lá, espero concluir algumas das histórias a que me dediquei no último período: do meu processo contra Lula... à denúncia de que ele possui uma conta num paraíso fiscal... O resultado de meu esforço será o mesmo de sempre... Eu, estupidamente, tentarei descobrir o que deu errado em meus planos e, de uma hora para outra, me verei caindo num abismo. Mas não ria. Porque você cairá junto comigo”.
Quando não são o desgosto e o embargo econômico que calam aqueles quem têm a coragem e a ousadia de criticar e denunciar o governo, são os fenômenos naturais: foi a morte que tirou de nós o escritor e comediante Bussunda, integrante da única ilha de crítica séria ao atual governo dentro da Globo – o programa homorístico Casseta e Planeta. Se até a morte trabalha contra, rezam a inteligência e o instinto de sobrevivência que se saiba quando uma batalha está perdida. Perdemos; mas, plagiando Diogo Mainardi, não riam, porque é exatamente o que vai acontecer com todos vocês.
(*) Christina Fontenelle é jornalista.


Editado por Adriana   às   7/03/2006 04:55:00 PM      |