por Ricardo Alfonsin (*)
Após ter percorrido os principais Estados agrícolas do Brasil, a convite da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil - CNA, fazendo palestras nos mais distantes rincões, e em função de acompanhar o setor há mais de vinte anos, posso afirmar que a agricultura brasileira vive a maior crise de sua história, na qual são atingidas quase todas as culturas, todas as regiões e todos os níveis de produtor, cujas conseqüências e resultados são ainda incomensuráveis. Estimulados para uma nova era, como forma de quebrar a estagnação da produção nacional de 80 milhões de toneladas de grãos, face a quebra dos contratos pelos diversos planos econômicos a partir dos anos 80, o agricultor, embalado por bons preços no mercado interno e externo, jogou-se no início deste século em um grande investimento, em tecnologia, na compra de máquinas e terras, conseguindo fazer crescer 50% a produção de grãos em quatro anos, batendo recordes mundiais, mas, para tanto, endividou-se. Só que, ao fazer isso, o produtor rural não percebeu que fora os preços e uma expectativa de mercados, não haviam sido instituídas políticas de sustentabilidade da atividade, tais como: seguro agrícola, crédito e garantias de preços mínimos, defesas para equilibrar a competição com países concorrentes. Além disto, dívidas antigas, decorrentes dos prejuízos dos planos econômicos, foram mal equacionadas, e após haverem sido adquiridas pela União junto aos Bancos Oficiais foram transformadas, absurdamente, de dívidas bancárias privadas em públicas, passando agora a receber tratamento para sua cobrança como se dívidas fiscais fossem. Diante desse quadro tenho dito que: o agricultor brasileiro é um trapezista sem rede de proteção, ao primeiro erro morre ou sofre ferimentos graves. É o que ocorreu. Com uma conjugação de fatores negativos, entre eles: clima, câmbio, concorrência com países onde os impostos e juros são civilizados e deferem pesados subsídios à atividade. Em conseqüência, baixa produtividade, baixos preços (quase sempre abaixo dos custos de produção). Ou seja, foi-se a renda. Neste contexto, veio à tragédia: acúmulo de dívidas velhas e novas - e estas não só com bancos, mas principalmente com a indústria e revendas, pois, com a inexistência de financiamento oficial (que só alcança dez por cento da área plantada), as lavouras passaram a ser financiadas pelos fornecedores de insumos e beneficiadoras de produtos. Com isso, boa parte dos produtores chegou a colheita deste ano devendo duas ou mais safras, o que resultou num quadro que deveria receber do Governo Central atendimento prioritário, eis que sua principal fonte de equilíbrio das contas internas e externas vem da agricultura. No entanto, o que se viu? Medidas pífias para efeito de mídia e solução ao balanço dos bancos. Alardeando as autoridades que foram alocados 60 bilhões de reais para a solução dos problemas, quem conhece o tema sabe que as medidas foram impróprias, insuficientes e o pior: inalcançáveis por aqueles aos quais elas se destinaram. Os produtores não têm garantia a oferecer para novas operações, não têm capacidade de pagamento em curto prazo e não têm limite de crédito a ser usado. Nessas condições, podem anunciar os bilhões que quiserem, pois estes não chegarão ao seu destino, nem alcançarão seus objetivos. O momento é extremamente grave, o Governo informa que esgotou sua participação na solução do problema - inclusive em relação às medidas estruturantes que também prometia para este momento, relativas, entre outras coisas, a redução de juros e tributos, informando que as mesmas foram adiadas para o próximo ano. Estando dadas as cartas, precisa o produtor adotar suas estratégias de defesa dentro desta grave crise, onde a meta é permanecer vivo, uma vez que a atividade é viável e esta insânia, esta falta de razoabilidade com o setor que mais responde às necessidades do país, não deve permanecer para sempre. O momento exige sangue frio. Sem renda e crédito novo as dificuldades são muitas, pois as dívidas dos agricultores vão desde o armazém da esquina ao posto de gasolina, das grandes multinacionais aos bancos. Prioridades terão que ser dadas e muita compreensão terá que haver daqueles que participam de toda a cadeia produtiva, para alcançar uma solução negociada. Entretanto, sabe-se que isso nem sempre será possível, momento no qual não terá o produtor outra saída a não ser a utilização dos instrumentos jurídicos cabíveis para a sua salvação, principalmente a Constituição Federal, o Código de Defesa do Consumidor e o Novo Código Civil. Nesta situação, mais do que nunca está a necessidade de organização do setor. É fundamental que as entidades de classe estejam estruturadas a dar suporte ao produtor e este deve valorizar seus líderes políticos e classistas, exigir deles posições fortes, mas também dar-lhes amparo para as ações que deverão ser empreendidas. A informação e a participação de todos é fundamental. O importante é tirar desta crise não apenas a lição, mas uma nova postura para o futuro, de valorização da atividade, com a exigência do estabelecimento de uma efetiva política agrícola de longo prazo, como a existente nos países concorrentes, tirando-nos do vexame de não explorarmos, adequadamente, a única atividade que poderá tirar o Brasil desta condição sub-desenvolvimentista. Temos que dar uma rede a este trapezista. (*) Ricardo Alfonsin é Presidente do IEJUR - Instituto de Estudos Jurídicos da Atividade Rural. Autor do livro ‘Dívidas Agrícolas’
Editado por Adriana às 6/28/2006 01:52:00 PM |
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