Por Adauto Medeiros, engenheiro civil e empresário
Eu era um jovem sonhador quando li o livro “O que você sabe sobre o petróleo?”, de Gondin da Fonseca. Nele as multinacionais do petróleo eram a causadora de todos os males do mundo. Nesta época o Brasil estava começando a fomentar e criar sua grande riqueza que era o petróleo com a criação de uma estatal chamada Petrobrás. Na época não havia capitais nem financeiros nem humanos nacionais para bancar a exploração do ouro negro, como se dizia naqueles dias. Trouxeram então um diretor da Stand Oil chamado Walter Link, que presidiu a Petrobrás e deu toda a estrutura administrativa que ela tem até hoje. Na época um barril de petróleo custava em torno de U$ 2,00, mas mesmo assim ela sobreviveu especialmente porque ao emplacar um carro a pessoa era obrigada a comprar ações da nova empresa monopolista. O monopólio levou 50 anos para promover a auto-suficiência. Mas o livro de Gondin da Fonseca me influenciou tanto que para ser comunista foi um passo. O que de fato ocorreu.
Na Universidade juntei-me à esquerda e passei a achar e ter certeza que o comunismo era a única solução para resolver os problemas da miséria, não só no Brasil como no mundo. No auge da Guerra Fria li um pronunciamento de John Foster Dulles, Secretário de Estado de Eisenhower dizendo que a guerra seria vencida pelos americanos porque os russos não tinham economia para enfrentar a economia americana. Ele estava certo, mas na época, como bom comunista não acreditei e passei a ler compulsivamente os escritos de Lênin, Trotsky, sem falar em Marx, Engels e Hegel. Finalmente, como jovem, tinha encontrado o caminho da salvação da classe trabalhadora. Na Universidade o diretório acadêmico era dirigido pelos comunistas, não só os filiados do PCB, como aqueles que como eu nunca tinham pertencido aos quadros do partidão. Eu era comunista, acreditava firmemente, mas sempre quis ser um uma espécie de livre-pensador, algo que entrava em conflito, porque esse tipo de mentalidade não se coaduna com filiação nem em religião e nem em partido político. Mas em 1962, a União Soviética estava patrocinando o Festival da Juventude e desta feita foi em Helsink, Finlândia. Lembro que ela dava hospedagem apenas, mas para ir até o Festival cada um pagava suas despesas. Não hesitei e vendi uma modesta casa que tinha recebido como herança de meu pai (o que me levou no futuro a refletir e a entender que se não houvesse propriedade privada não teria como ter vendido e sem democracia não teria liberdade de ir e vir), troquei o dinheiro em dólares, e juntamente com mais dois colegas do Partido fomos para Viena e lá encontramos a cúpula da UIE (União Internacional dos Estudantes) que na época era dirigida por Marco Jamovich, um judeu brasileiro muito influente no comunismo internacional, e que depois foi trocado pelo embaixador americano. Nesta viagem estavam os cantores (na época faziam um sucesso máximo) Nora Ney e Jorge Goulart e o famoso (logo ficaria famoso) ator de novelas Lima Duarte, além do Fernando Mesquita que depois viria a ser porta voz do presidente Sarney. Apanhamos o trem e quando cheguei na Rússia tomaram todos os passaportes e nos colocaram próximo da divisa com a Finlândia. Logo de cara, percebi que as estações eram todas cercadas com arame farpado, isto para que os russos não tivessem contato com os estrangeiros, pois eles podiam trazer (era essa a mentalidade na época que nós ouvíamos) o micróbio do capitalismo. Nos parecia estranho, uma vez que nós também éramos estrangeiros. Mas o que nós encontramos e isso ficou na minha mente, foram cidades pobres, não havia estradas de rodagem e uma burocracia terrível igual à de Brasília. Aliás, hoje Brasília é pior. Em Helsink hospedei-me em um colégio juntamente com a delegação de Angola e da Guiné, onde conheci os principais líderes dos dois países, inclusive Agostinho Neto e Marcelino Serafim Goia que foram presidente e vice respectivamente de Angola e Guiné. Através de Marco Jamovich fui convidado para visitar a Tchecoslováquia como convidado do governo, onde passei 12 dias. Tive a oportunidade de conhecer desde as fábricas, passando pelas fazendas coletivas, até boates. Tudo era estatal e controlado pelo governo, desde o garçom até as músicas. Como só havia em cidade grande, portanto, só havia também uma boate grande; a fila para entrar nela era enorme e levava-se (fiquei sabendo) às vezes até mais de duas horas para conseguir entrar, e como tinha um número definido de pessoas para freqüentar, muitos que estavam na fila voltavam porque não havia mais lugar. As coisas aos poucos foram ficando mais claras para mim, e o que era uma crença inabalável nos regimes de esquerda, começou a ser posta em xeque, e comecei a me perguntar se uma sociedade toda regida pelo estado não conseguia resolver nem os problemas básicos quanto mais de laser. Minha viagem à Rússia para participar do Festival da Juventude comunista, aconteceu em 1962. E foi nessa viagem a Rússia que vi no que havia resultado a revolução. Em 1960 Kruchev já havia denunciado no famoso XX Congresso comunista, mas no Brasil ainda não se sabia por inteiro da paranóia e dos crimes de Stalin. De qualquer forma fiquei decepcionado com a vida dos camponeses, em especial suas casas que eram construídas de feno e com sanitário ao ar livre. Aquilo chamou minha atenção e fiquei impressionado como um país que tinha mandado Yuri Gagarin ao espaço poderia ter uma população no campo tão pobre e vivendo em condições tão subhumanas. Depois descobri que 80% do orçamento russo era para a defesa. A guerra fria havia destruído a tentativa de construir o paraíso comunista. Mas não só isso, claro. A economia americana conseguia fazer tudo isso e ainda proporcionar um bem estar social ao seu povo. Isto me fez enxergar na deficiência do sistema econômico centralizado e dirigido por funcionários públicos. Hoje ninguém mais acredita nisso, mas na época todos os dogmas das esquerdas eram verdadeiros. Isto, ninguém acredita, com exceção certamente ainda da América Latina. No entanto, lembro-me de um judeu russo que tinha ido estudar nos USA, no começo do século. Chegando na casa do tio, este perguntou o que ele queria estudar e jovem disse que ia fazer medicina porque queria estudar os micróbios. O tio disse que os micróbios estavam na terra e portanto ele deveria ser agrônomo. De fato, o futuro agrônomo descobriu a terramicina. E foi esse judeu russo que disse certa vez que o homem que aos 20 anos não é comunista é um homem sem coração, e que aos 40 anos se continuar sendo é um homem sem juízo. Quando agora o nosso presidente disse algo parecido, um plágio grosseiro sem saber a fonte, nisso ele estava certo. O que todos perguntam, é porque mesmo dizendo isso, ele estar perto de Hugo Chaves, Fidel, Evo Morales, e Cia. Coisas do nosso presidente, certamente. Bom, eu terminei meu curso de engenharia em 1963, na Politécnica de Campina Grande, e nesta época a política ideológica fervia dentro da Universidade. Eu que já voltara da Rússia decepcionado, não via no comunismo mais a solução para os problemas materiais da humanidade. Portanto, eu e quatro alunos começamos a fazer oposição a esquerda e conseguimos colocar como diretor da Escola de Engenharia, o professor Linaldo Albuquerque que era um homem integro e não era ligado aos comunistas. Foi nomeado e transformou a universidade da Paraíba a segunda do Brasil perdendo apenas para a UFRJ. Na época já havia professores do ITA, mas depois veio gente da França, Canadá, Índia, trazidos por Linaldo que transformou a Universidade como um todo, e não só num grande centro de engenharia e matemática. As escolas pertenciam a Universidade da Paraíba, hoje Universidade Federal de Campina Grande. Há poucos meses a Google recrutou um de seus professores para trabalhar nos USA, o que dá uma idéia de sua pujança. Depois de formado comecei um pequeno negócio com uma pequena construtora. Eu tinha como contador um senhor que pertencia ao partido comunista que foi preso em 1967 e o levaram para João Pessoa. Fui a policia federal visitá-lo e tentar negociar mas não me deixaram falar com ele. Num sábado a tarde estava eu em casa quando fui preso pela policia federal pelo agente federal Índio Bugre, hoje aposentado. Preso fui levado para o Batalhão de Engenharia do Exercito em Campina Grande. Sei o quanto é desagradável um cidadão ser tirado de sua casa por forca do arbítrio e ter que prestar depoimento por algo que ele não sabe. Mesmo assim, apesar de ter sido preso político, nunca pedi indenização ao contribuinte e nem aposentadoria gorda como fizeram muitos e ainda continuam fazendo. Aliás eu não tenho nem mesmo aposentadoria, nem do INSS. Hoje aos 71 anos me considero um pequeno empresário, amante da livre iniciativa, pois tenho a consciência que o único meio de elevar o padrão material de um povo é pela democracia e pela geração de riquezas, e não somente sua divisão como os comunistas pensam, pois apenas ela pode dar ao homem a capacidade de criação e de gerar novas riquezas. Mas também sei que o capitalismo não é um sistema econômico capaz de resolver tudo, ele exige trabalho, talento e sobretudo talento para enfrentar as diversidades do mercado e as mudanças constantes. Mas só ele pode fazer migrar classes pobres para a classe média. Alias foi o capitalismo que criou a classe media. E basta um exemplo: a China antes da abertura capitalista tinha 1% de classe media, após a abertura já tem 11%. Eu costumo a dizer sempre que no capitalismo ou cresce ou empobrece, mas no comunismo nem cresce e portanto todos empobrecem. Trabalho todos os dias e acho ótimo a iniciativa privada, que junto com a democracia constituem o único sistema econômico e político em que um individuo pode viver sua plena cidadania. Neles, de fato, o contribuinte é valorizado. Por outro lado, é triste ver que a sociedade brasileira ainda não se definiu por nenhum sistema econômico. Aqui há uma democracia sem voto e um capitalismo sem lucro. Temos um regime em que a classe política vive como Reis olhando a ralé se debatendo com fome. Não é à toa que estamos parados no tempo há no mínimo 400 anos.
Editado por Giulio Sanmartini às 1/09/2007 01:13:00 AM |
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