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VOTOS NÃO FORJAM LIDERANÇA
Editorial em O Estado de São Paulo

Dos muitos julgamentos que o ex-presidente Fernando Henrique tem feito ultimamente sobre o seu sucessor, talvez nenhum tenha sido tão pertinente como o de que Lula é menos um líder do que um símbolo. A força incontestável do simbolismo de sua biografia, combinada com o seu extraordinário dom de falar a linguagem que o povão entende e gosta de ouvir - apurado, é verdade, depois que Duda Mendonça lhe explicou por que perdeu as três primeiras eleições presidenciais -, é o que alicerça a identificação pessoal de grande parte dos brasileiros com esse autêntico “um de nós” e os leva a consagrá-lo nas urnas. Mas sabidamente depende de outra argamassa a liderança que os políticos promovidos a chefes de governo, ou confirmados nessa condição, aspiram construir. Por isso mesmo e por muitos que sejam, votos serão sempre imprescindíveis, mas insuficientes para a obra.
Daí o contraste palpável entre o imenso superávit eleitoral do presidente e o déficit de liderança política, em sentido amplo, que ele demonstra nos movimentos iniciais do seu segundo mandato, como se de pouco lhe tivessem servido as experiências amargas deste período a caminho do desfecho. Lula dá a impressão de imaginar, por exemplo, que subindo ao palanque de Hugo Chávez, como fez dias atrás para dizer, por sinal, uma sucessão de mentirosas tonterías, reunirá mais facilmente recursos políticos para projetar a liderança regional a que ambiciona desde que vestiu a faixa presidencial. Passados quatro anos, está à vista de todos que, se a América Latina tem hoje alguém que pode reivindicar o papel de líder, ele se chama - ai de nós! - Hugo Chávez.
Outro exemplo, igualmente nítido, se encontra no panorama doméstico.
Tivesse Lula os meios que o fizessem ser percebido pelos políticos como dotado de liderança à altura da Presidência da República, a crônica deste quadriênio, especialmente a da metade final, teria sido outra. Apesar ou por causa do mensalão, ele permitiu que escorresse entre os dedos a tradicional hegemonia do Executivo sobre o Legislativo. Nisso o primeiro Lula se saiu pior do que o segundo Fernando Henrique, como que invertendo a lógica política do sistema de reeleição. Por preguiça ou inépcia no manejo das rédeas, o presidente perdeu o controle sobre a base aliada - a começar do próprio PT. Deu no definhamento da agenda legislativa do governo, vencida pela anarquia parlamentar, no parto da montanha que foi cada uma das reformas ministeriais e, vexame dos vexames, na eleição de Severino Cavalcanti para presidente da Câmara dos Deputados.
Agora, as atribulações de Lula na montagem do novo governo e de uma coligação estável e confiável no Congresso sugerem que talvez tenha desentendido as lições dos últimos anos. Se antes ele delegou a José Dirceu a interlocução com os partidos cooptáveis - apenas para desautorizar a sua esperta iniciativa de trazer o PMDB para o Planalto -, desta vez ele assumiu o comando das negociações, numa exposição pessoal de resultados incertos, dada a sua conhecida inapetência pelo conchavo com os caciques federais, o pantagruélico apetite da tigrada, as insuperáveis divisões entre os peemedebistas e a heróica resistência do PT para conservar o que considera seu direito natural: a parte do leão do poder. Na hora da divisão do butim, aos políticos pouco se dá se Lula teve tantos ou quantos milhões de votos. Se não transparecer que comanda a situação, enfrentará jogo duro.
Não se trata de dar murros na mesa. A liderança é um atributo que permite ao seu detentor ordenar o processo político e impor, sem autoritarismo, limites às ambições dos parceiros. Mas é algo que não se impõe em conchavos e barganhas. Na verdade, Lula não exerce verdadeira liderança nem dentro do seu governo. Por isso, acontece o que aconteceu na melancólica reunião inaugural do presidente com os membros de sua equipe incumbidos de propor medidas para sacudir a economia e aliviar os padecimentos fiscais do governo. Nela, o que se viu foi o chefe descartar como tímidas as idéias que lhe foram levadas, sem dar uma pista do que seriam as ousadas. “Essa mesmice não nos levará a lugar nenhum”, queixou-se Lula, incapaz de sugerir uma alternativa para a mesmice que leve ao lugar aonde quer chegar.
Aparentemente, ele sabe o que não quer - uma reforma da Previdência, por exemplo -, mas não sabe o que querer, além do fetichizado crescimento de 5% ao ano. Quando não se sabe, não se lidera.


Editado por Giulio Sanmartini   às   11/19/2006 01:17:00 AM      |