Por Roberto Macero em O Estado de São Paulo Definida a eleição presidencial, o País, felizmente, retomou a discussão do seu medíocre crescimento econômico, que deveria ter sido o centro da discussão entre os candidatos, mas se perdeu numa cenografia eleitoral que o deixou em segundo plano. Esse tema é indissolúvel dos rumos da política econômica do governo federal, e a discussão dela foi recolocada nas manchetes pelo ministro Tarso Genro. Ele anunciou o fim da 'era Palocci', verdadeiramente associada a juros altos, câmbio baixo e fraco crescimento, mas, equivocadamente, a um aperto fiscal que autenticamente nunca existiu, pois o governo Lula só fez por arrecadar mais impostos e aumentar gastos. Quem se apertou mesmo foram os contribuintes, a turma que paga a conta e que, por esse e outros motivos, mostrou sua insatisfação votando predominantemente com a oposição. Se os mapas eleitorais já divulgados recebessem novos títulos e legendas, mostrariam que Lula foi menos votado em Estados de onde vêm mais impostos, ganhando com maior força nas regiões mais contempladas com novos gastos.
O presidente desautorizou seu ministro e assumiu como sua a condução econômica da 'era Palocci'. Em particular, afirmou que manterá a política de metas de inflação e uma ação fiscal 'responsável'. Ou seja, um tom de mais do mesmo. Mas só será assim se o presidente renunciar à sua disposição de ver a economia brasileira crescer bem mais no segundo mandato, deixando a segunda divisão do campeonato de crescimento disputado pelos países emergentes. Crescer mais não é coisa simples, mas é preciso começar de algum lugar com passos sem os quais o Brasil não sairá dessa situação. Hoje, salvo raríssimas exceções, há consenso de que o governo emperra o crescimento ao arrecadar demasiado de contribuintes que com esse dinheiro investiriam muitíssimo mais que ele. Isso prejudica a taxa de investimento (a proporção do PIB destinada à formação de capacidade produtiva adicional), com o que sofre a taxa de crescimento econômico. Ou seja, é preciso que o governo invista mais, contenha outros gastos e caminhe na direção de reduzir a carga tributária. Pelo pronunciamento de algumas autoridades federais, percebe-se que essa visão avançou também dentro dele. Mas o que interessa mesmo é o que se passa na cabeça do presidente, e isso ainda é uma incógnita, pois o que disse ao desautorizar seu ministro não garante nada, já que a política de metas de inflação poderá ter outras metas, e uma ação fiscal responsável nunca foi efetivamente praticada. O que parece não mudar mesmo é a sua disposição de consagrar-se como 'pai dos pobres' e de realizar mais gastos na direção deles. Assim, no seu primeiro pronunciamento pós-eleição, reafirmou sua convicção simplista de que suas políticas distributivas levam ao crescimento econômico. Textualmente: '... nós provamos que com um pouco de distribuição de renda, seja... o Bolsa-Família... o salário mínimo..., a loja começa a vender.., a comprar da fábrica, ...a fábrica a produzir, ... a gerar emprego...' É uma visão míope, pois o dinheiro que custeia isso foi tirado de outros que deixaram de consumir e, sobretudo, de investir. E sem investir bem mais não virá um crescimento que supere a mediocridade do atual. Assim, no que lhe cabe, entre outras ações o governo precisa dosar melhor a proporção entre gastos e consumo, inclusive os redistributivos e os de investimento, ampliando estes, além de cuidar para que a carga tributária não continue a desestimular os investidores. O preocupante é que Lula tem ainda condições de ampliar seus gastos preferidos, pois é sabido que há espaço para o Banco Central (BC) continuar reduzindo a taxa básica de juros e, assim, o custo da dívida pública. O BC pode fazer isso porque a inflação segue bem abaixo das suas metas e a situação das contas externas é de tal forma favorável que essa redução dos juros não provocaria, pelo seu impacto no fluxo de capitais financeiros para o Brasil, uma desvalorização do real capaz de agravar significativamente a inflação. Mas, se o ganho que o governo tiver com o menor custo da sua dívida for novamente usado para os gastos preferidos do 'paizão', e não para ampliar gastos para investimentos, conter o crescimento da dívida e da carga tributária, permanecerá a perspectiva de crescimento muito fraco. Nada contra gastos distributivos, nem a favor de deixá-los só para quando o bolo crescer, mas uma overdose distributiva concentrada nuns poucos anos não é o caminho. A propósito, vale lembrar uma lição elementar de economia, muito antes de ela chegar a cursos e a livros-texto: não se aumenta a produção de um galinheiro consumindo todos os ovos colhidos. É preciso pôr mais a chocar, pois são os investimentos que aumentarão a capacidade de produzir mais aves e ovos no futuro. Dado esse quadro, a grande questão da política econômica e dos rumos futuros da economia será a de saber a opção de Lula na gestão das contas públicas. É um dilema que poderia gerar um estadista se, em lugar de uma política de mais do mesmo, o presidente corresse os riscos de perder popularidade no início do novo mandato e colhesse os frutos desse crescimento mais à frente. A alternativa será manter seu nome manchado na História, na lista dos presidentes que há mais de duas décadas não conseguiram fazer que a economia brasileira crescesse com um vigor bem maior. É uma novela ainda por se desenrolar, mas um de seus capítulos iniciais dará pelo menos o rumo inicial do enredo. Assim, logo no início de 2007 será definido um novo valor do salário mínimo, a indicar se Lula veio renovado ou apenas de novo.
Editado por Giulio Sanmartini às 11/02/2006 11:50:00 AM |
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