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A MILÍCIA DO PODEROSO MINISTRO
Por Demétrio Magnoli em O Estado de São Paulo
O presidente ao qual serve o ministro Tarso Genro admira a ditadura cubana, que pune a crítica com a prisão. Tilden Santiago, o embaixador em Havana designado pelo governo de Genro, ecoou as justificativas oficiais para o fuzilamento sumário de dissidentes. O partido de Genro abriga no seu site artigos que clamam pelo 'controle social da mídia'. O governo Lula patrocinou um ensaio desse controle por meio do projeto do Conselho Federal de Jornalismo. Desde aquele fracasso, um derrame de publicidade estatal engorda as receitas das revistas que renunciaram ao jornalismo para se dedicarem a incensar o governo.
Um sonho dourado é criminalizar a opinião divergente. O ministro Genro iniciou processo contra este articulista alegando enxergar crimes contra a sua honra numa coluna que assinei na Folha de S.Paulo em abril de 2005. O texto aborda a classificação racial dos estudantes imposta pelo MEC às escolas brasileiras quando Genro chefiava o ministério. É uma crítica política e de idéias, dirigida a um ato de autoridade pública (confira em http://www.clubemundo.com.br/).
Todos têm direito de recorrer à Justiça. Mas o que singulariza esse processo, além da sua patente futilidade jurídica, é o fato de que o poderoso ministro se serve do cargo para encarregar a Advocacia Geral da União da defesa de um interesse político particular. O expediente é uma aula inteira sobre uma certa concepção do Estado e da sociedade. O ministro não aposta um tostão do próprio bolso na empreitada, cuja finalidade se circunscreve à intimidação. Eu, você, nós pagamos os custos da arrogância de Genro.
Injúria é ofender a dignidade, como quando Lula qualifica seus 'meninos' de 'aloprados'. Difamação é imputar fato ofensivo à reputação e calúnia é imputar falsamente fato definido como crime. Comparar Geraldo Alckmin a Augusto Pinochet, símbolo do terror de Estado, como fez Genro (sim, ele mesmo!), além de uma injúria, equivale a saracotear perto da fronteira da difamação e da calúnia. O ministro, bacharel em Direito, não pode alegar ignorância do sentido dessas figuras jurídicas quando mobiliza, contra a opinião divergente, o que enxerga como uma milícia privada de advogados.
Os críticos dos projetos de leis raciais somos descritos como ideólogos da 'elite branca', uma difamação, por representantes de ONGs que colaboram com a Secretaria da Igualdade Racial. Porém nunca qualificamos os defensores desses projetos como racistas, não por cordialidade ou temor, mas porque compreendemos que a divergência reflete visões inconciliáveis sobre o contrato social, não um 'conflito de raças'. Nós dizemos que a restauração do conceito anacrônico de raça para a produção de identidades raciais oficiais colide com o princípio da cidadania, desmancha o sonho de igualdade e, inadvertidamente, irriga a árvore de onde pendem os frutos venenosos do ódio racial. Eis o sentido da 'pedagogia racial' introduzida nas escolas pelo ministro que processa.
O texto que se tornou alvo da fúria subsidiada de Genro é apenas um pretexto. O deputado petista Paulo Delgado criticou seu partido por 'cuspir na rotativa em que comemos', lembrando que sem a liberdade de imprensa o PT nunca alcançaria o poder. Ele lamentou o curso seguido hoje pelo partido, que sistematicamente apresenta a imprensa como porta-voz das 'elites' em confronto com a 'vontade do povo' (isto é, a do próprio PT). Seria preciso acrescentar que, sob o lulismo, o partido de Genro tece os fios de uma doutrina hostil à liberdade de expressão. A pedagogia do 'controle social da mídia', elaborada pelo núcleo dirigente e pelos intelectuais a serviço da causa, se difunde na parcela da opinião pública que ouve o partido, minando os valores em torno dos quais a Nação se uniu para superar a ditadura militar. Esse é o fenômeno relevante, do qual o processo do ministro não passa de expressão casual.
Sob o governo Lula, montou-se uma 'quadrilha' (atenção, Genro: isto é uma citação) para comprar a consciência de parlamentares e subverter o equilíbrio de Poderes. No Ministério da Fazenda, organizou-se um crime de Estado, com a finalidade de chantagear um cidadão sem posses, que se apresentava como testemunha numa CPI. O comando de campanha do presidente se articulou com criminosos na fabricação do dossiê destinado a lançar lama sobre um candidato oposicionista. A hostilidade à imprensa não é um traço superficial desse governo, mas uma necessidade estratégica.
É a ela que Genro prestava serviço quando, há um ano, como presidente do PT, elaborou a resolução do partido que, a pretexto de reconhecer os 'desvios em nosso meio', abria fogo na direção dos veículos que reportavam a delinqüência no Estado e na máquina governamental. Aquele documento bradava contra o 'festival denuncista', a 'postura fascista' dos meios de comunicação e o 'golpismo midiático'. Quem escreve isso fecharia jornais, se pudesse.
Genro tem história. Ele reclamou o impeachment de FHC, com base em vagas suspeitas. Admitiu seu 'erro' anos depois, oportunamente, quando o depoimento de Duda Mendonça ofereceu motivos sólidos para um pedido de impeachment contra Lula, sugestão à qual ele se opôs com indignação. Na ocasião, auge do escândalo do 'mensalão', Genro reconheceu a importância do trabalho da imprensa, afirmou que não era capaz de encontrar nenhum motivo para que alguém votasse no PT e prometeu engajar-se na 'refundação' do partido. Passado o furacão, elaborou a resolução do PT que condenava a imprensa, alinhou-se à direção não 'refundada' do partido e encontrou todas as razões que agora esgrime pela continuidade do sistema de poder vigente.
É curto o prazo de validade das convicções do poderoso ministro. Eu o convido a persistir no processo, mas, em nome da ética pública, por meio da constituição de advogado particular.


Editado por Giulio Sanmartini   às   11/02/2006 11:47:00 AM      |