Suely Caldas, no Estadão
No passado era assim: o governante criava um programa social, escolhia a dedo os intermediários - governadores, prefeitos e deputados amigos. Estes se apropriavam do benefício ou o pouco que distribuíam trocavam por votos nas eleições. Tudo em nome de 'aliviar a pobreza'. De quem? O pobre mesmo só servia de pretexto. Os mais antigos lembram. Foi assim com o Vale-Leite, o Salário-Educação, a Cesta Básica e muitos outros. O governo FHC eliminou os intermediários e criou o Bolsa-Escola e o Vale-Gás, pagos em dinheiro e diretamente aos pobres por meio de cartões magnéticos em bancos e casas lotéricas. Lula unificou os dois programas de FHC no Bolsa-Família e manteve fora os intermediários. Finalmente o benefício passou a chegar aos pobres, distribuiu renda e funcionou como carro-chefe da vitória de Lula. Mas os métodos do passado não desapareceram. Agora atendem pelo nome de Fundo da Pobreza, a que têm recorrido certos governadores, ávidos por rechear os cofres do Estado e dispor de mais dinheiro público para gastar. Com os pobres? Muito pouco, ou quase nada. No máximo, entregam para políticos amigos distribuírem em época de eleição. Foi assim que nasceu o Fundo da Pobreza, criado em 2003 pela governadora do Rio de Janeiro, Rosinha Garotinho, por iniciativa do deputado aliado Eduardo Cunha (PMDB), o mesmo que presidiu a antiga Telerj no governo Collor e deixou o cargo, suspeito de irregularidades. Alimentado por um acréscimo de 1% no ICMS de todos os produtos comercializados no Estado (com exceção da cesta básica) e mais um extra de 4% no ICMS pago pelas empresas de energia e telecomunicações, a cobrança suplementar do imposto deveria ser extinta em dezembro de 2006 (o extra de 4%) e em 2010 (o 1%). Pois na última quarta-feira a Comissão de Justiça da Assembléia Legislativa decidiu prorrogar o extra de 4% para 2010, com o apoio do governador eleito Sérgio Cabral (PMDB) e do deputado petista Carlos Minc, que antes haviam condenado a criação do fundo e agora o aprovam. É que a realidade mudou: quem vai administrar R$ 1,6 bilhão/ano arrecadado não será mais Rosinha, são Sérgio Cabral e o PT, partido que o apoiou no segundo turno e vai ajudá-lo a governar. E como Rosinha tem aplicado R$ 1,6 bilhão do Fundo da Pobreza? Em aliviar a vida dos pobres? É claro que não. Em consultas ao Sistema Informatizado do Estado, o deputado Luís Paulo Corrêa da Rocha (PSDB) comprovou desvios do dinheiro do fundo para gastos correntes do governo, pagamento da folha de salários e repasses para organizações não-governamentais, as famosas ONGs contratadas por Rosinha sem licitação e suspeitas de prestarem serviços inexistentes. E o pobre? E quem se importa com o pobre? O pobre está é pagando mais imposto para sustentar o fundo que deveria, mas não o beneficia. E paga como? Na conta de luz residencial, nas tarifas do ônibus (repasse do combustível) e telefone celular e no preço de todos os produtos comercializados no Rio de Janeiro. E mais: com tarifas de energia e telecomunicações mais caras, o capital que poderia ser aplicado em novos investimentos no Rio de Janeiro acaba se transferindo para outro Estado que ofereça preços de insumos mais baratos. Aí também o pobre é prejudicado, porque novos empregos não são gerados. O populismo político é assim mesmo. O discurso é demagogo, apelativo, feito na medida para enganar, iludir os desinformados, os que não tiveram a sorte de ter acesso à educação mais longa e são vítimas, presas fáceis de aproveitadores e mentirosos. E quem ousa se manifestar contra propostas como o Fundo da Pobreza é xingado de elitista, direita, neoliberal e outros rótulos vazios , sem consistência e desprovidos do sentido real do assunto em questão. No caso deste fundo, o governador eleito justifica mantê-lo por ter encontrado o Estado quebrado - o que é verdade -, com excesso de dívidas e um rombo calculado pela Fundação Getúlio Vargas em R$ 2,7 bilhões. Os milionários gastos com publicidade no governo Rosinha, avaliados em R$ 100 milhões/ano, comprovam que a prioridade do casal Garotinho nunca foi aliviar a pobreza. Mas não pode servir de desculpa para Sérgio Cabral insistir em usar os pobres para gerar recursos que a eles não chegam.
Editado por Anônimo às 11/19/2006 07:53:00 AM |
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