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O EIXO DO ATRASO
Por Kennedy Alencar na Folha de São Paulo
Reeleito com 60,83% dos votos válidos no domingo (29/10), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva contava com dificuldades provocadas pela oposição já no dia seguinte. Ledo engano.
Vieram do próprio campo político os petardos que provocaram o primeiro tremor pós-reeleição: nova tentativa de um grupo de ministros e de dirigentes petistas de levar Lula a mudar a política econômica mais do que deseja e mais do que já fez.
Batizado por críticos do próprio governo de "eixo do atraso", os expoentes desse grupo são os ministros Dilma Rousseff (Casa Civil), Tarso Genro (Relações Institucionais) e Guido Mantega (Fazenda), além do presidente interino do PT, Marco Aurélio Garcia, também assessor especial de Lula para assuntos internacionais.
Para esse grupo, o único problema da economia são os juros altos. Bastaria acelerar a queda da taxa básica, a Selic, hoje em 13,75% anuais, para o desejado crescimento de 5% anual do PIB (Produto Interno Bruto) virar realidade.
Ora, os juros são, sim, um grande problema da nossa economia. Continuam os mais altos do mundo. Será que isso acontece porque o Banco Central é míope, malvado, incompetente?
São altos porque temos uma dívida pública acima do R$ 1 trilhão que precisa ser refinanciada constantemente. São altos porque tem predominado uma visão "financista", digamos assim, nas equipes econômicas desde que o tucano Fernando Henrique Cardoso editou o Plano Real, em 1994.
Essa é uma boa discussão. E merece ser feita. É fácil falar em corte de gastos. Difícil fazê-lo com o máximo possível de justiça, pois é inevitável que afete a área social. O debate, portanto, vai além do chavão de que bastaria vontade política de reduzir juros caírem e da receita tradicional de passar a faca nas despesas públicas.
No entanto, num gesto de inabilidade política, Tarso decretou no domingo, enquanto ainda corria a votação, o "fim da era Palocci". Dilma deu eco às suas declarações. Mantega e Garcia também.
Lula soltou os cachorros internamente. Lembrou que o trabalho de Palocci foi necessário e aprovado por ele. Disse que existe política de governo, não de ministros. E afirmou que ninguém anuncia antes do tempo que fará mudanças na economia _e ele não pretende dar uma guinada, registre-se.
O "eixo do atraso" apenas conseguiu elevar a previsão dos juros futuros. Sacrificou crescimento, no jargão econômico. Provocou uma expectativa negativa que afeta decisões de investimento etc. Mais: há diretores do Banco Central que desejam sair. Haverá uma janela natural para substituição na virada do primeiro para o segundo mandato. No entanto, sob a pressão do "eixo do atraso", a leitura a respeito de eventuais trocas poderá gerar expectativas negativas no mercado. E, então, dificultá-las ou inviabilizá-las.
Como diz o ex-ministro Delfim Netto, o crescimento econômico é também um "estado de espírito". É preciso que todos acreditem nele. Nesse sentido, ajuda Lula falar que o país está pronto para crescer 5%, ainda que isso não seja completamente verdadeiro. Todo presidente deve procurar criar um clima de otimismo.
Mas não será falando em "fim da era Palocci" ou em renegociação de dívidas dos Estados e municípios que Lula criará esse clima e colherá bons frutos na economia. Já há um movimento capitaneado pelo presidente da Comissão de Orçamento do Congresso, o deputado federal Gilmar Machado (PT-MG), para aumentar o limite de endividamento de Estados e municípios. Machado defende alterações na Lei de Responsabilidade Fiscal, uma dura conquista do país e uma boa herança do governo FHC.
Lula corre mais riscos de cometer erros se ouvir aliados do que oposicionistas. Isso já não é novidade. Mas é pena que o PT, depois de tantos escândalos e percalços, ainda não tenha aprendido a lição. Poderá levar o presidente a adotar ações conservadoras na economia para equilibrar destemperos verbais e articulações equivocadas.


Editado por Giulio Sanmartini   às   11/03/2006 04:22:00 AM      |