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LULA ENTRE A IMPRENSA E O ESPELHO
Por Pedro Coutto na Tribuna da Imprensa

Há poucos dias, ao inaugurar uma ponte entre Brasil e Venezuela, no rio Orenoco, onde Juan Pinzón teria chegado pouco antes de Cabral, o Pedro Álvares, não o Sérgio, o presidente Lula dirigiu fortes críticas à imprensa por focalizar aspectos de seu governo nem tanto da administração, mas quanto aos sombrios personagens que habitavam o Planalto.
O presidente, que foi àquele país fortalecer a terceira candidatura presidencial seguida de Hugo Chávez, já que ele mudou a Constituição venezuelana, não foi justo em sua colocação. Afinal de contas, se há alguém que deve tudo à imprensa é ele, Luís Inácio da Silva. Pois foram os jornalistas que, apesar da censura do governo Médici e das pressões da ditadura militar, tempo dos anos de chumbo, destacaram sua atuação no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, levando seu nome da modesta sede do órgão de classe para as primeiras páginas.
Sem os jornais, emissoras de televisão e rádio, Lula jamais teria chegado à presidência da República. Foi a imprensa, também, que combateu o governo Fernando Henrique Cardoso, mostrando o desastre que foi o seu segundo mandato. Quem não se lembra da crise de energia elétrica de 2001? E do fato de FHC ter dito que não havia sido avisado. A mídia, como se diz hoje, alavancou Lula no rumo do poder. Mas não é este o ponto central do tema.
O ponto central do tema é que, no fundo, a imprensa é um espelho da realidade, seja ela política, econômica, social, e dos conflitos em que a sociedade humana se envolve. Os jornalistas e comunicadores são expositores, opinam certamente, são críticos mais ou menos contundentes, tudo bem, porém não são autores de ficção. Refletem o que está acontecendo. Não produzem panoramas. José Dirceu é personagem de ficção? Roberto Jefferson? José Genoino? Delúbio Soares? Silvio Pereira? Duda Mendonça? Some-se a estes Luiz Gushiken, Freud Godoy, não o gênio de Viena, Gedimar Passos, Valdebran Guimarães, Jorge Lorenzetti. Foi a Polícia Federal, e não a imprensa, que prendeu vários deles. Foi a Polícia Federal que abriu inquéritos, não foram os repórteres.
ram os policiais especializados que filmaram Hamilton Lacerda entrando com uma mala num hotel da capital paulista. Não foram os cinegrafista da Rede Globo. Uma corrente da Polícia Federal, isso sim, entregou o filme à Globo, inclusive porque, como é até natural, as diligências são combinadas com a emissora. Mas eu me refiro à ação original: ela, graças a Deus, não foi produzida pela imprensa, e sim por agentes da administração pública. É fácil, e comum, no Brasil e no mundo, tentar-se culpar os jornalistas por tudo. É um recurso dos que não conseguem explicar como permitiram que os episódios críticos se sucedessem em escala ininterrupta e negativa.
Em 1954, a guarda pessoal do presidente Vargas praticou o atentado da Rua Toneleiros, que se transformou no abismo do presidente da República. Todos os jornais publicaram como manchete principal. Foram os jornalistas os responsáveis? Esta colocação que faço é simples, mas definitiva. Nós, jornalistas, somos profissionais do espelho. Refletimos. Não criamos histórias. Elas acontecem sem que as tenhamos produzido.
Não se trata, no campo político, sequer do ponto abordado pelo diretor Marcel Carné, no maior filme francês de todos os tempo e um dos maiores do cinema, "Les enfants du paradis". Para Carné, apoiado nos diálogos megistrais do poeta Jacques Prevert, arte e vida são um processo só. Difícil definir o que é realidade ou o que seja ficção. Ainda assim, nós, jornalistas, narramos o que acontece, às vezes traduzimos e interpretamos, porém não criamos.
Não somos autores de José Dirceu, Roberto Jefferson, Freud Godoy. "Les enfants de paradis" (o público lá nas galerias do alto, como classificam os artistas franceses) tem uma história inclusive curiosa, para dizer o mínimo. Foi realizado em 42, em Paris, em plena ocupação nazista. Sartre, no ano seguinte, em 43, escreveu sua obra maior, "O ser e o nada", que vendeu cerca de seis milhões de exemplares no mundo. Nem Marcel Carné, nem Prevert, tampouco Sartre foram molestados pela Alemanha de Hitler. Deixo aqui um tema para os historiadores e pesquisadores franceses. E a obra "O ser e o nada", matriz do existencialismo, não deveria ser de fácil assimilação por parte do nazismo.
Às vezes, interessante o presidente Lula saber, a realidade transforma-se em ficção. Mas nunca o contrário. Foi o que aconteceu com "Romeu e Julieta", obra fantástica, belíssima, atribuída a Shakespeare. Está exposta num museu de Verona, cidade italiana. Ocorreu a tragédia entre dois jovens, o jornalista Luigi de Comba escreveu. Caiu nas mãos do gênio, que, então, reproduziu o texto acrescentando a força de sua magia dramática. Tudo bem. Ficção e realidade se encontraram com Shakespeare. Mas o fato aconteceu. Nem Luigi de Comba nem o maior autor de todos os tempos o inventaram. Aconteça o que acontecer nos palcos, nos livros, nos jornais, os fatos não mudam por causa disso. O jornalismo é eternamente o espelho da vida.


Editado por Giulio Sanmartini   às   11/18/2006 09:07:00 AM      |