Por Ana Maria Tahan no Jornal do Brasil
O presidente Lula precisa aprender, o que a prática ainda não conseguiu ensinar: governar não é um ato de vontade. Reger é um dos significados do verbo. Administrar, outro. Afinação da orquestra é essencial à conjugação na primeira interpretação. Sintonia da equipe, imprescindível à segunda definição. O cotidiano do Planalto tem sido a melhor escola para Lula assimilar o ritmo certo do "eu governo, tu governas..." Aos fatos. Depois de se impressionar com o monumental déficit do Instituto do Coração de São Paulo, parada obrigatória para poderosos com a saúde abalada ou milhares de desafortunados nativos, Lula decretou que o rombo deveria ser sanado em 48 horas. Diagnóstico certo, tempo de tratamento errado. Até hoje nada aconteceu e o Incor espera, ansioso, o socorro financeiro prometido. Nenhum real se materializou no cofre.
Em meio à crise dos aeroportos e antes de embarcar no Aerolula rumo ao dendê baiano - enquanto multidões de brasileiros baratonteavam em salas de embarque, expostos aos humores de controladores de vôo e regimentos militares - o presidente reuniu ministros, comandantes e quetais. Exigiu uma solução definitiva para os atrasos e a volta à normalidade nos céus e na terra. Durante o feriado prensado da semana, descobriu que tudo continuava como dantes no aeroporto de Abrantes. Na saúde ou nas asas criadas por Santos Dumont, como em tudo o mais, o desejo esbarra na realidade e obriga ao pouso forçado. Na política, também. O presidente tem consumido horas para se aperfeiçoar na arte da negociação com os partidos e flanar quatro anos sem interrupções ditadas por ciclones ou furações fabricados no Congresso. Elegeu o PMDB como o amigo mais próximo, sob medida para compor o ministério e a maioria parlamentar. Quer o PMDB todinho para ele. O partido, contudo, não é mulher fiel. Gosta de piscar para quem apresenta estampa mais vistosa. E ainda não deu o sim, nem se preparou para o beijo matrimonial. Dinheiro não nasce por decreto presidencial. Controladores não se multiplicam porque o comandante-mor do Planalto determina. O PMDB não fica um só e se entrega porque o dirigente supremo do PT assim o quer. O ex-presidente José Sarney (hoje unha e carne com Lula) conta que em cada 10 ordens que disparava do gabinete ocupado pelo aliado petista apenas uma chegava ao destino. O ex-presidente Fernando Henrique vive contando que uma das coisas mais difíceis de conseguir, quando se pede no Planalto, é um copo d'água. As verdades transmitidas por antecessores pode ajudar o atual presidente, reeleito para governar por mais quatro anos, a compreender que o "deixa comigo" não funciona. A vontade do chefe precisa motivar, convencer, atrair seguidores, que vão repassando recados e monitorando a execução da tarefa no andar de baixo. O presidente Lula também deve compreender que não exercerá dois mandatos diferentes. Está reeleito. Ao contrário de 2002, quando a transição durou dois meses, o intervalo entre um e outro presidente é desnecessário agora. O chefe de governo continua. A vida, também. Se vai trocar ministros, por que não o faz logo? Se quer tirar Waldir Pires do Ministério da Defesa, por que esperar janeiro? Se quer deslocar Luiz Dulci da Secretaria-Geral para outro gabinete, mude já. Se quer afastar quem estava, não titubeie: exonere. Se quer Roseana Sarney na equipe, nomeie imediatamente. Lula não vai tomar posse. Não vai receber a faixa. Já está com ela. Não é um homem providencial. O exercício do poder não permite hiatos. Exige regência perfeita. Administração competente. E comando democrático.
Editado por Giulio Sanmartini às 11/18/2006 09:01:00 AM |
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