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LULA ENCOSTA A BARRIGA NO BALCÃO DA FISIOLOGIA
Por Josias de Souza na Folha de São Paulo
Como prometera no domingo da reeleição, 29 de outubro, Lula iniciou nesta terça os contatos para a costura da “coalizão” partidária que lhe dará suporte no Congresso por mais quatro anos. Deu folga a Tarso Genro, seu articulador político. Tornou-se articulador de si mesmo. Entrou na empreitada com o pé esquerdo. Uma das primeiras legendas que chamou ao Planalto foi o PTB de Roberto Jefferson.
É sintomático que Lula comece a (des)conversa do segundo mandato pelo partido que pôs na rua o escândalo do mensalão. Não poderia haver evidência mais eloqüente de que, rapidinho, o país vai voltando a ser o mesmo. O presidente de 58 milhões de votos informa aos eleitores que optou por sustentar a sua nova administração sob dois pilares velhos.
O primeiro pilar é a promessa de transformação do país. Mera reiteração, no caso de Lula. A segunda coluna, é o cultivo da política tradicional. Nas próximas semanas, o país será submetido a um espetáculo conhecido: a divisão de territórios na administração pública. Com alguma sorte, Lula irá preservar sob sua alçada a parte, digamos, séria do governo –pastas como a da Fazenda, a do Planejamento, a do Desenvolvimento e a da Educação, por exemplo. O resto vai ao balcão das barganhas políticas.
É assim que a coisa vem funcionando nos últimos anos, pelo menos desde Sarney, talvez de antes. Até onde a vista consegue alcançar, não há no horizonte nenhum sinal de mudança. Lula prometera que o diálogo com os partidos seria “institucional”. Significa dizer que deveria dialogar com os presidentes dos partidos. No caso do PTB, a presidência é exercida pelo deputado cassado Jefferson. Como a conversa com o impensável é algo que não convém, Lula chamou o líder do partido, José Múcio Monteiro (PE).
Na saída do encontro, Monteiro disse que 95% da bancada eleita pelo PTB apóia Lula. Entre eles estão alguns dos beneficiários da mala valeriana de R$ 4,7 milhões que Jefferson confessou ter rateado no partido. É uma gente que logo estará nos calcanhares de Lula pleiteando, reivindicando, querendo... Já está claro que o PTB deseja manter na Esplanada o quinhão já amealhado no primeiro mandato. Mas a pasta do Turismo não há de contentar a agremiação. Desejarão autarquias, quiçá estatais.
Mas não se deve limitar ao PTB, por injusto, a fome de cargos. O apetite é imenso e generalizado. O PP, outra legenda de triste memória, também afia os dentes. O líder do partido na Câmara, Mário Negromonte (BA), já fez o seu preço: quer três ministérios. Ao das Cidades, que já controla, deseja agregar outras duas pastas, a da Integração Nacional e a dos Transportes. É assim que tudo começa. Pede-se alto para depois barganhar. À falta de ministérios, aceitam-se presidências de autarquias e diretorias de estatais.
Logo virão o PMDB, o PL, o PC do B e o PSB. Como se fosse pouco, Lula terá de lidar a apetência de seu próprio partido. Sob Lula, a Esplanada é vasta –34 ministérios—, mas também é inelástica. Com tantos interesses a acomodar, o petismo já pressentiu que perderá terreno. O próprio presidente já avisou. Ouve-se no PT um indisfarçável ranger de dentes.
Ao encostar a barriga no balcão, Lula reinicia um jogo de desfecho previsível. Ainda que consiga administrar as doses de fisiologia e clientelismo, é certo que um naco da administração pública será gerido de maneira dissoluta. A história demonstra que isso conduz à corrupção e ao escândalo. A encrenca não é exclusividade dos partidos. Todos querem tirar as suas lascas. Mas o problema não está apenas em quem pede, mas em quem oferece e dá.
Sarney deu. Collor também deu. FHC idem e ibidem. Lula está na bica de dar pela segunda vez. E se o presidente se propõe a barganhar, por que os partidos deveriam dizer não? Lula envereda por um caminho sem volta. A experiência mostra que, na Brasília das mil e uma noites, uma vez liberado o gênio da barganha, é impossível devolvê-lo ao interior da lâmpada.


Editado por Giulio Sanmartini   às   11/08/2006 05:22:00 AM      |