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CÚPULA FRACASSADA
Editorial em O Estado de São Paulo
Está provado mais uma vez. O execrável mundo rico é o grande fator de união da América Latina, especialmente quando representado pelo abominável irmão do Norte, os Estados Unidos. Sem o ritual de injúria aos políticos de Washington, os participantes da Cúpula Ibero-Americana de Chefes de Estado e de Governo teriam sido forçados a concentrar-se nas brigas de vizinhança, trocando estocadas e mostrando a língua uns aos outros. Foram salvos pelo presidente George W. Bush, um alvo sempre fácil e ainda mais exposto depois de anunciar a construção de um muro, na fronteira com o México, para deter a imigração ilegal. Até a presidente do Chile, Michelle Bachelet, uma criatura habitualmente sensata, participou do coro. Ninguém é de ferro.
A construção do muro pode ser uma iniciativa tão antipática quanto inútil, mas seus críticos latino-americanos parecem esquecer dois fatos muito importantes. Primeiro, é obrigação do governo americano reprimir a imigração ilegal. As leis são mutáveis e podem tornar-se mais hospitaleiras, mas, sejam quais forem, as autoridades devem observá-las. Segundo, os latino-americanos deram atenção excessiva a um tema secundário. O grande problema é outro: tanta gente só migra em busca de oportunidades noutras terras porque não encontra condições satisfatórias para permanecer em seus países. O fato é de uma obviedade acaciana, mas a questão importante é essa mesma.
No fundo, os países da região, com algumas poucas exceções, são grandes exportadores de gente. A migração melhora as condições de quem vai para fora e garante um importante fluxo de dinheiro para o país de origem. Os migrantes latino-americanos têm mandado mais de US$ 50 bilhões para casa, anualmente.
Esse dinheiro representa muito para a economia de alguns países: cerca de um quarto do Produto Interno Bruto (PIB) de El Salvador e de um décimo do boliviano, para mencionar só um par de exemplos. Compreensível, portanto, o empenho dos presidentes, no comunicado final da reunião, em pedir ao mundo rico maiores facilidades fiscais e burocráticas para remessas desse tipo.
Compreensível, mas vexatório. A maior parte da região exibiu algum dinamismo nos últimos cinco anos graças, principalmente, à exportação de produtos básicos, facilitada pela expansão mundial liderada pela China e pelos Estados Unidos. Mas ainda não cresceu o bastante para criar os empregos necessários, em número e em qualidade, para oferecer melhores perspectivas a seus trabalhadores. Apesar de algum progresso gerencial e institucional, os governos latino-americanos continuam tropeçando em velhos problemas e velhos vícios. O populismo ainda vigoroso é apenas um reflexo, entre muitos, da persistência dos antigos costumes.
A integração regional poderia ter contribuído para impulsionar e modernizar as economias, mas a cooperação não tem ido muito além da retórica.
Em vez de uma integração progressiva, a região, especialmente a América do Sul, tem acrescentado novos conflitos a rivalidades antigas. Os presidentes e ministros chegaram à reunião de cúpula, em Montevidéu, com uma enorme lista de conflitos não resolvidos e foram embora sem nenhum avanço notável. A única novidade relevante foi a disposição, anunciada por argentinos e uruguaios, de aceitar a mediação do rei da Espanha no conflito relativo à construção de “papeleras” na beira do Rio Uruguai.
Nenhum passo foi dado para a solução dos problemas da Bolívia com o Brasil e a Argentina, por causa da nova política boliviana do gás, nem para eliminar o mal-estar político entre Peru e Venezuela, nem para eliminar o contencioso comercial entre Brasil e Argentina. O presidente argentino, Néstor Kirchner, chegou atrasado e saiu cedo, sem conversar com o colega uruguaio Tabaré Vázquez.
Os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, da Venezuela, Hugo Chávez, e do Peru, Alan García, mandaram representantes e foram criticados por isso. Ao todo, oito presidentes da região não compareceram. A reunião mostrou, mais uma vez, a distância entre a realidade e a fantasia, no caso da Comunidade Sul-Americana de Nações, apregoada como uma das façanhas da diplomacia petista. Em seu descanso na praia, no longo feriado, o presidente Lula pelo menos evitou mais esse choque com os fatos.


Editado por Giulio Sanmartini   às   11/07/2006 07:57:00 AM      |