Por Dora Kramer em O Estado de São Paulo Pesquisas não dizem tudo - como demonstram sempre as alegadas surpresas produzidas pelas urnas a cada nova eleição -, mas, desde que não se faça delas um Oráculo de Delfos, ajudam a compreender os acontecimentos enquanto ocorrem, antes da produção dos resultados finais. Os números do Datafolha registrando dianteira de 11 pontos porcentuais nas intenções de voto do presidente Luiz Inácio da Silva em relação a Geraldo Alckmin não são inteiramente discrepantes dos apurados pelo rastreamento interno do PSDB sobre o humor do eleitorado, que também indicam favoritismo, embora menor, de 5 pontos. As consultas contrariam expectativas de largada vigorosa do tucano no segundo turno, mostram que o susto com o desempenho combativo de Alckmin no debate da TV Bandeirantes mais paralisou que motivou o eleitorado, mas consolidam um fenômeno que já explicara o favoritismo de Lula no primeiro turno, a despeito de o governo e o PT terem sido postos no banco dos réus do tribunal da moral e dos bons costumes desde o caso Waldomiro Diniz, em fevereiro de 2004. No Brasil, escândalo tem prazo de validade e fácil digestão.
Ocorre agora com o caso do dossiê, minguando envolto em sombras e confusão, sendo absorvido a despeito da falta de uma solução completa. Do jeito que está, com os acusados trocando de lugar com os acusadores, virou uma obra aberta a respeito da qual cada um escreve o epílogo que bem lhe aprouver. A maior evidência da facilidade do País em digerir malfeitorias distantes está na eleição da maior parte dos mensaleiros e da punição a um bom número de sanguessugas. Diferença entre eles? As datas em que suas peripécias vieram a público. Os do escândalo mais longínquo foram beneficiados em detrimento dos protagonistas do episódio mais recente. Numa lógica ética invertida, uma crise lava a outra, enquanto a mão suja de um contamina a do outro, mesmo quando esse outro é adversário. Se ele está do lado oposto, se não é o alvo da acusação ou mesmo da acusação formalizada na Justiça, pouco importa, acaba sofrendo os efeitos do dogma da igualdade absoluta entre os seres humanos quando se trata de entes cuja profissão é a política. Depois que o PT assumiu o poder, aderindo e aprofundando práticas antes por ele condenadas, consolidou no imaginário popular a idéia de que realmente não há mais o 'outro', só existe um lado, o do mal, sem nuances, nulo de diferenciação. De tudo se faz tábula rasa quando o assunto é política. Segunda-feira, dia seguinte ao debate, um motorista de táxi (sempre eles, 'populares' sempre ao alcance da mão) em São Paulo defendia vigorosamente a tese da igualdade entre os homens - na visão dele - de má vontade. Não era defensor do voto nulo nem eleitor de Lula. Acabara de votar em José Serra, dizia-se arrependido, no dia 29 votará em Alckmin, mas 'sabendo' que 'são todos da mesma máfia'. E por que não escolhera então o presidente Lula e os candidatos do PT? 'Porque tanto faz.' 'Então, tanto faz também que o senhor faça seu trabalho com honestidade, porque o passageiro está autorizado a considerá-lo um mafioso, pois existem máfias de taxistas em aeroportos, rodoviárias e outros pontos de reserva de mercado.' 'Aí não é justo.' 'Como não, o critério da generalização não é o mesmo? Ou os políticos não pertencem ao gênero humano, onde há os bons, os maus e os mais ou menos?' 'Pensando bem, acho que são uma raça à parte.' Embora quase caricata, a história é real. Retrata o distanciamento entre a sociedade e a política, além de ser reveladora da renúncia dos cidadãos ao poder de discernir e a rendição à lassidão alienada de se deixar confundir.
Editado por Giulio Sanmartini às 10/12/2006 06:32:00 AM |
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