Por Pedro do Coutto na Tribuna da Imprensa No domingo que passou - e lá se foi com o vento -, quatro matérias que abordaram temas sociais, econômicos e políticos, por sua importância, merecem observação atenta, inclusive para classificá-las com nitidez. No "Globo", Raquel Miura e Henrique Batista escreveram sobre o custo do pessoal civil e militar no Orçamento da União. Na "Folha de S. Paulo", Fernando Canzian pesquisou o peso do programa Bolsa Família e do salário mínimo no primeiro turno das eleições presidenciais. No "Estado de S. Paulo", Dora Kramer colocou o conflito lulismo-petismo refletido nas derrotas dos deputados Luís Eduardo Cardozo em SP e Paulo Delgado em Minas Gerais. Poderia ter incluído a de Antônio Carlos Biscaia no Rio de Janeiro. Finalmente, Giuliano Guandelini, na revista "Veja", entrevistou Fabio Giambiagi, especialista em contas públicas do Ipea, sobre o déficit da Previdência Social. Vamos por partes. Mas é preciso dimensionar bem os números. Eles não se afirmam só pela aparência: exigem tradução, assim como a peça de Pirandelo que Millôr Fernandes recriou tempos atrás.
Raquel Miura e Henrique Batista estranharam que a folha de vencimentos do funcionalismo público vá passar de 100 bilhões de reais este ano. Na verdade, vai a 103 bilhões, como revelou o secretário do Tesouro Nacional, Carlos Kawall, no DO de 29 de setembro. Afinal de contas, são quase 2 milhões de servidores civis e militares, incluindo aposentados, pensionistas e reformados das Forças Armadas. O Orçamento do País é de 1 trilhão e 600 bilhões de reais. Assim, a despesa equivale a apenas 7% da lei de meios. Pesa, entretanto, 26% da receita tributária. Por que isso? Simplesmente porque a dívida interna mobiliária, de 1 trilhão e 39 bilhões, significa 57% do teto orçamentário. E, para rolar esta dívida, o governo - está também no "Diário Oficial" de 29 de setembro - desembolsa em 12 meses 179,5 bilhões de reais. Muito mais, como se constata, do que paga ao funcionalismo civil e militar. Percentualmente, inclusive, a folha de pessoal vem baixando, claro. Os reajustes salariais, desde o governo FHC, vêm perdendo disparado para a inflação do IBGE. Os juros para rolar o endividamento (14,25% ao ano) são 3,5 vezes maiores do que a taxa inflacionária. Concentração de renda inegável. Fernando Canzian (FSP) faz uma bela superposição entre o programa Bolsa Família e os votos obtidos por Lula no primeiro turno. Perfeito. Acertou em cheio. O corte de classes, que identifiquei no meu livro "O voto e o povo", 1966, portanto há 40 anos, é fundamental. Pois como querer que votem contra o presidente da República 11 milhões de famílias que recebem alimentos? Impossível. As carências sociais brasileiras são enormes. Quem ganha alimentos sem pagar por eles - sem discutir o mérito da questão - não deseja perdê-los. É humano, é lógico. Geraldo Alckmin comprometeu-se a manter o programa. Porém as pessoas hoje cadastradas temem que o projeto permaneça, mas que sejam substituídas por outras. Faltou clareza afirmativa ao ex-governador de São Paulo. Isso de um lado. De outro, os que ganham o salário mínimo - segundo o IBGE, 22% da mão-de-obra ativa brasileira - só podem estar satisfeitos. Luís Inácio da Silva os reajustou este ano em 16,1%. A inflação de 2005 foi de 5%. No INSS, dos 24 milhões de aposentados e pensionistas, 75% recebem o piso. Os 25% restantes tiveram um acréscimo nominal de apenas 5%: empataram com a taxa inflacionária. Dora Kramer, no "Estado de S. Paulo", identificou bem a divisão dominante no PT, com a vantagem do lulismo sobre o petismo, e focalizou, como exemplo, as derrotas dos deputados Luís Eduardo Cardozo e Paulo Delgado. Vale acrescentar a de Antônio Carlos Biscaia. Como explicar o fenômeno se os três tiveram bom desempenho na CPI dos Correios e na CPI das Ambulâncias? Muito simples: eles partiram para apurar mesmo as denúncias. Desta forma entraram em rota de colisão com a legenda, que não desejava apurar coisa alguma. A ética que vá para o espaço. Se a sociedade permanecer neste caminho, em breve todos nós estaremos submersos pela cultura do ilegal e da corrupção. Finalmente, na "Veja", Giuliano Guandelini entrevista Fabio Giambiagi, que o induz a erro. Fala sobre o déficit da Previdência. Mas não separa as contas do INSS com as dos aposentados e pensionistas do serviço público. É fundamental fazer isso. Se lesse o "Diário Oficial" de 29 de setembro, o repórter de "Veja" saberia que 31 bilhões de reais é a folha dos inativos da União, não do INSS. Os do INSS custam 160 bilhões de reais. Os do serviço público descontaram 11% de seus salários a vida inteira. O que fez o governo com esse dinheiro? E agora, em face da emenda constitucional 41, estão pagando novamente (os 11%) para um seguro social que já conquistaram. Dupla contribuição. Um confisco nítido. Giambiagi, em termos de seguridade social, aponta para um problema de despesa. Não é fato. O problema é de receita. O INSS arrecada em cima da folha de salários. Portanto, com um desemprego que o IBGE aponta em 10,7% da força de trabalho (90 milhões de pessoas), a receita não pode crescer. E com um desemprego que atinge mais de 9 milhões de trabalhadores, muito alto, o nível salarial, em conseqüência, desce. Menos salários, menor receita. É preciso cortar gastos públicos? Comecemos pelos 179,5 bilhões de reais por ano que o Tesouro paga de juros aos bancos para apenas rolar a dívida interna mobiliária, que está crescendo 12% a cada 12 meses. Cortar direitos sociais é fácil. Cortar os bancos, impossível. Este é o dilema.
Editado por Giulio Sanmartini às 10/18/2006 01:54:00 AM |
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