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DEMOCRATIZAÇÃO DA CULPA
por Raphael De Paola em Mídia sem Máscara
“O Brasil é tão bom quanto o seu voto”.
“Agora é a sua vez”.
Justiça Eleitoral
É interessante notar a evolução, ao longo dos últimos quatro anos, da postura oficial – meios políticos e intelectuais, órgãos governamentais e mídia - com relação ao que costumou-se chamar de “democracia brasileira”. A retórica às vésperas das eleições de 2002 era de que a democracia era uma grande festa organizada pelas elites política e intelectual e que o eleitor era o convidado de honra. Toda a propaganda oficial passava a idéia, aliás bem brasileira, de que os mais sérios problemas poderiam ser resolvidos em uma churrascada de fim-de-semana. A imagem propagada era a de que o eleitor estaria num belo clube e que, entre uma cerveja e outra, servidas por intelectuais da USP vestidos de aventais com a estampa de Che Guevara, entre uma garfada de picanha e um espeto de coração de galinha, depois da pelada e antes de um banho no chuveiro, tudo ao som de um pagode levado por políticos do partido da “ética”, bastava ir à urna mais próxima, depositar seu voto, e partir pro abraço: intelectuais-políticos e políticos-intelectuais solucionariam tudo. Até essa diversão toda seria paga com verbas de algum programa social.
Este ambiente de grande otimismo, aliado à consolidação das instituições “democráticas” e da constituição “cidadã”, crias daqueles mesmos setores da sociedade, prepararam cuidadosa e conscientemente a cabeça do eleitorado para anestesiar a sensação legítima de medo do partido mais criminoso do país e apostar tudo num simulacro de sentimento de esperança forjado às pressas para colocá-lo no poder. A retórica da “esperança que vence o medo” não foi somente do partido vencedor, mas sim uma aposta de toda a elite dirigente do país, inclusive por parte do partido perdedor, o PSDB, e foi conduzida na crença de que tão logo o PT estivesse no poder, se veria obrigado a voltar as costas a compromissos e aliados do Foro de São Paulo e passaria a agir estritamente dentro da legalidade, como se fosse somente mais um partido atuando no palco da ordem democrática e não, como o inspirador da ética do presidente Lula, Frei Betto, admitiu nesta semana, um partido a serviço do socialismo latino-americano.
Passados os quatro anos mais sujos da história política do Brasil, e percebendo que a população não engole mais a retórica de festa democrática, por já se sentir saturada de democracia - ou pelo menos desta –, a propaganda oficial adota agora um tom sério e acusatório. Mas quem foi levado ao banco dos réus? O partido criminoso? Não, esse não viu nada, não sabe de nada, e vai punir os que cometeram “erros” (belo eufemismo). A quem, então, acusam pela imoralidade reinante? À oposição omissa, incapaz de chamar o monstro pelo nome? Não, essa amarrou um acordo de rodízio de poder com o PT [*] que torna a política nacional um eterno embate entre esquerdas, uma light e a outra heavy, porque sabe que bater demais no PT seria jogar fora a criança junto com a água do banho, já que ambos querem o socialismo, com a diferença (teórica) de que o PSDB o quer por via anestésica e o PT por via revolucionária – (digo “teórica” porque na prática um não se recusa a usar do outro como contrapeso e único interlocutor, abafando todo e qualquer discurso não-esquerdista, o que faz de todo o processo eleitoral uma gigantesca fraude). Não seria justo então, chamar à responsabilidade a elite intelectual do país, incluindo a mídia, que durante pelo menos duas décadas preparou o ambiente para um “show de ética na política” e tinha aquele guerrilheiro argentino em pé de igualdade com Jesus Cristo? Não, os novos bispos, esses bispos sociais, esta nova casta sacerdotal, ela, acima de tudo e de todos, não erra e continua a prestar seus zelosos serviços de guardiã da moralidade e da ética.
E é nessa qualidade que aponta o dedo acusador para você, eleitor. Isso aí, enfim descobriram o culpado: “O Brasil é tão bom quanto o seu voto”. Quem mandou não ter um voto que mande todo corrupto para a cadeia, dê empregos aos jovens e remédios aos idosos, resolva os problemas da saúde e da segurança, e que dê pão e circo para todo mundo? Que votinho chinfrim esse, hein?
Como, pela própria natureza, a maldade e a mentira não conseguem esconder o que são, esse criminoso golpe publicitário de inculpar o povo pela situação degradante da nação vem inconscientemente acompanhado da admissão de culpa por parte daquela mesma elite político-intelectual num verdadeiro ato-falho freudiano: sabendo que nada do que dizem chega perto da verdade e que a população não tem a mais remota possibilidade de mudar o que quer que seja do estado de coisas, apelam, com o intuito de afastar de si a culpa, para a migalha de decisão que cabe ao eleitor no banquete do poder nacional, para o átomo de poder que nos é conferido dentro do oceano repleto de tubarões, para o instante infinitesimal que permitem ao povo emitir alguma voz, de eleição em eleição: “Agora é a sua vez”. De fato, a sua vez é agora, mas é somente agora, porque logo depois será a vez da elite da moral e da ética voltar à carga, e sabe-se lá com mais quais acusações à população na próxima vez. A cada quatro anos você tem somente um segundo de voz, enquanto os campeões da ética tem à disposição todo o resto do tempo, somado a jornais, revistas, televisão, salas de aula, palanques políticos, parlamento, ONGs milionárias, além de contarem com o seu dinheiro suado arrancado através de impostos, e usam tudo isso para consertar, benevolentemente, a burrice que você fez naquele seu segundo mágico e que eles, por puro altruísmo, ainda lhe permitem ter.
Como toda admissão de culpa que é feita somente no nível do inconsciente é falsa e não vem acompanhada de um verdadeiro arrependimento e da respectiva autocrítica, ela acaba por trair o pensamento que, no mais, deveria permanecer oculto até a hora oportuna, e revela o próximo passo no caminho pretendido pelos campeões da ética: sentindo que, na população, o medo venceu a esperança, a mudança no tom do discurso oficial bem indica o que nos espera, que é nos tirarem até mesmo aquele instante chamado de “a sua vez”. O raciocínio todo não carece de lógica, apesar de tortuosa: uma vez identificado o culpado – o povo – e seu instrumento poderosíssimo – o voto -, o melhor a fazer é não deixar as crianças brincarem com fogo.
Não se iludam: a menina dos olhos de todo esquerdista é o regime comunista cubano, e o principal aliado político do PT no continente é Hugo Chávez que, nas eleições de novembro próximo, vai “consultar” o povo venezuelano se este quer que ele fique no poder até 2029.
Por aqui, “Agora é a sua vez”.


Editado por Giulio Sanmartini   às   10/18/2006 01:50:00 AM      |