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O FALSO BRASIL DIVIDIDO NAS URNAS
Por Rodrigo de Almeida no Jornal do Brasil
Reza a sabedoria vigente que, destas eleições, emergiu um mapa eleitoral dividido. Dois Brasis. Um país repartido, sedutora linguagem binária a que muitos costumam recorrer.
É uma meia verdade. Por esse dualismo, seria possível concluir que o lado moderno, rico e desenvolvido do Brasil ficou com Geraldo Alckmin. Por Lula optou o lado pobre e arcaico do país. Chegou-se a dizer que o tucano ganhou no Brasil que sustenta o governo e perdeu no Brasil que é sustentado pelo governo. No caso extremo, afirmou-se que nordestinos, pobres e negros eram mais tolerantes com a corrupção do que ricos, brancos e sudestinos.
Para falar sério, é preciso dizer, de partida, que Alckmin não teria chegado ao segundo turno apenas com o voto da classe média ou rica. Não chega a 10 milhões o número de pessoas que pagam Imposto de Renda - um quarto da impressionante votação obtida pelo tucano. O que explica, por exemplo, que Alckmin tenha quase empatado com Lula em Sergipe e perdido de lavada no Ceará? Esses dois Estados consumiram cinco vezes mais do que a classe média no governo Lula, se consideradas as vendas do comércio registradas pelo IBGE. Estão também entre as populações melhor atendidas pelo Bolsa Família.
E o que dizer da vitória tucana em Rondônia, Roraima e Acre, enquanto o Amazonas virou uma ilha de lulismo? Os três primeiros são mais pobres do que o último, e não constam que estejam sustentando o governo federal. Mais: se prevalecesse a tese do Brasil de ricos e pobres polarizados entre tucanos e petistas, Alckmin seria o rei do Sudeste. Não é. Lula ganhou em Minas e no Rio, Estado, diga-se, reconhecidamente maltratado pelo governo federal.
A idéia da cisão persiste para o segundo turno. Padece igualmente de maior rigor. Diz o Datafolha, por exemplo, que Lula lidera entre os eleitores com renda familiar mensal até dois salários mínimos. Mas Alckmin já vence entre os que têm renda entre dois e cinco salários. Salvo desvios de ótica do colunista bissexto, não consta que seja considerada rica uma família que ganha entre R$ 600 e R$ 1.500. Outro dado: nas intenções de voto, Alckmin perde no Nordeste e ganha no Sul, é fato. Mas empata no Sudeste. E Lula vem tirando voto de Alckmin justamente entre mais escolarizados e com maior renda.
Como se vê, brotam exceções no jardim dos "dois Brasis". Não serão regras nacionalizadas que explicarão os matizes do país. Tentar desmanchar a tese do Brasil dividido, no entanto, não significa negar as repartições regionais. Somos um país marcado por enormes desfiladeiros.
Isso não quer dizer que o Brasil moderno seja apenas moderno ou que o Brasil arcaico seja apenas arcaico. Mesmo onde o país se modernizou brotam bolsões de pobreza e precariedade. Certas capitais do Nordeste são mais industrializadas, desenvolvidas e cosmopolitas do que há 20 anos. A Fortaleza do tucano Tasso Jereissati é exemplo.
A sociologia dualista mais oculta do que explica as complexidades de um país como o Brasil. É um vício vigente desde que o sociólogo francês Jacques Lambert publicou, no fim dos anos 50, Os dois Brasis. Lambert opunha o "novo" ao "arcaico" e torcia, nos anos dourados de JK, para que o primeiro contaminasse o segundo. O Brasil não contaminou o arcaico, mas o dualismo nos contaminou. Veio a seguir uma sucessão de clichês binários - civilização/barbárie, litoral/sertão, progresso/atraso. Mas, com tantas exceções fica difícil enxergar este país cindido nas urnas.


Editado por Giulio Sanmartini   às   10/14/2006 01:28:00 AM      |