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FOI O PT QUE PEGOU
Por Marcio Aith e Chrystiane Silva na Veja
Por quase um ano os desdobramentos do escândalo do mensalão ofuscaram um mistério envolvendo as contas de publicidade da Presidência da República. No calor da CPI dos Correios, em outubro de 2005, uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) notou que faltava a comprovação de 11 milhões de reais dos gastos da Secretaria de Comunicação (Secom), subordinada diretamente à Presidência. O tribunal apontou superfaturamento na aquisição de materiais gráficos e não encontrou provas da manufatura e distribuição de quase 2 milhões de exemplares de um total de 5 milhões de revistas e encartes que a Secom mandou produzir. Os folhetos continham propaganda do governo e críticas à administração anterior. A Secom não reconheceu o diagnóstico de superfaturamento e pediu mais prazo para fornecer os comprovantes dos encartes "desaparecidos", alegando que eles não haviam sido guardados pelas agências de publicidade encarregadas de encomendar a execução dos serviços gráficos.
Os documentos agora foram entregues, mas o TCU não se satisfez com o que viu.
Os papéis mostram que, por orientação de duas agências de publicidade contratadas pela Presidência da República, os quase 2 milhões de encartes e revistas suspeitos não foram entregues mesmo à Secom, que os encomendara, ou a qualquer outro órgão público, como manda a lei. Foram encaminhados diretamente a diretórios municipais do Partido dos Trabalhadores. A justificativa dada aos ministros do TCU foi pelo caminho de que o PT estaria prestando "um favor ao Estado" ao se encarregar da distribuição dos encartes e revistas, poupando ao Tesouro um gasto extra. O TCU não comprou essa versão. O ministro Ubiratan Aguiar, relator do caso, distribuiu seu voto aos demais ministros na terça-feira passada. Nele diz, em resumo, que a explicação oficial tornou o caso ainda mais problemático. Aguiar considera que houve uma inadmissível confusão entre os interesses do governo e os de um partido político que não vem a ser uma agremiação qualquer, mas o PT, que dá sustentação política ao atual governo e por cuja legenda o presidente da República concorre a um segundo mandato. De acordo com Aguiar, o fato de o processo referir-se a material gráfico de propaganda é outra agravante, uma vez que é tênue a linha que separa a publicidade do Estado da simples propaganda eleitoral. Há cerca de um mês o presidente Lula foi multado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 900.000 reais, pela acusação de ter feito propaganda eleitoral disfarçada de campanha institucional justamente em uma das cartilhas distribuídas pela Secom. A multa não tem relação com os encartes sumidos que despertaram a atenção do TCU. A punição dada pelo TSE, no entanto, mostra que o Tribunal de Contas tem razão em tentar coibir o hábito oficial arraigado no Brasil de produzir material eleitoral disfarçado de publicidade institucional.
Aguiar pediu a abertura de um processo de tomada de contas especial para apurar o fato, ouvir a versão dos envolvidos e aclarar o papel que tiveram no episódio o ex-ministro Luiz Gushiken, que comandava a Secom, e os publicitários contratados pelo governo. O relatório de Aguiar não foi votado ainda pelo plenário. Outro ministro do TCU, Marcos Vilaça, pediu vistas do processo, o que atrasará o julgamento. Antes de pedir vistas, o ministro Vilaça tentou convencer seu colega Aguiar a suavizar o relatório. O pedido foi rechaçado. Vilaça pediu, então, ao ministro relator que retardasse a divulgação de seu voto e a deixasse para depois das eleições. Outra negativa. Vilaça, então, obteve a ajuda de outros ministros para barrar a publicação do voto de Ubiratan Aguiar no Diário Oficial. Pendengas entre ministros do TCU são comuns. O que é incomum, no caso, é um dos ministros, Marcos Vilaça, trabalhar não para aclarar as coisas, mas para tentar influir no voto de um colega e conseguir que seu conteúdo seja censurado.
Encontrar erros em contas públicas é a missão básica do TCU. Rebarbar explicações que considera inadequadas, também. Não haveria, portanto, razão técnica para que o ministro Vilaça tenha se alvoroçado tanto com o caso. Pode haver motivações políticas. Funcionários da própria Secom admitem que a versão apresentada está longe de ser convencional. Ainda assim, sustentam que os recibos passados pelo PT e entregues ao TCU dirimem a dúvida principal, a de que os serviços não teriam sido executados e o dinheiro destinado a produzir material gráfico teria sido simplesmente roubado. Seria assim se essa constituísse a única preocupação do TCU. Não é. Os técnicos do Tribunal de Contas que ajudaram a embasar o voto do ministro Aguiar acham que a confusão entre partido do governo e o próprio governo exige uma investigação mais profunda. Para ilustrarem a sensibilidade do problema, eles lembram a proximidade entre as agências de publicidade encarregadas de produzir o material gráfico investigado pelo TCU e o presidente Lula. A primeira delas, a Duda Mendonça & Associados, leva o nome do célebre marqueteiro baiano especialista em rinhas de galo, caixa dois e contas não declaradas no exterior. A segunda é a Matisse, originalmente de Campinas, onde atuava como empresa de médio porte até conquistar, para surpresa geral, a conta da Presidência da República. A Matisse pertence a Paulo de Tarso Santos, publicitário amigo do presidente e marqueteiro das duas primeiras campanhas fracassadas de Lula ao Planalto, em 1989 e 1994.
José Antonio Dias Toffoli, advogado da Matisse, rejeita qualquer insinuação de conduta imprópria e diz não haver ilegalidade no fato de as cartilhas terem sido entregues ao PT "desde que fique provado que os partidos são mais eficazes na distribuição de material e que o custo foi menor para o Estado". Assessor jurídico da Presidência da República até julho de 2005, Toffoli considera essa controvérsia irrelevante se comparada à propaganda institucional do governo passado. "O material gráfico do governo FHC chegava a ser impresso com o nome do presidente." O advogado esclarece que a Matisse entregou todo o seu material gráfico à Secom, e não ao PT. O problema de seu cliente com o TCU, segundo ele, se restringiria a uma acusação de superfaturamento.

Luís Justiniano de Arantes Fernandes, advogado do ex-ministro Gushiken, diz que o objetivo do governo foi reduzir custos com a distribuição do material via PT. "Tal decisão permitiu a mais ampla distribuição do material gráfico. O destino final das revistas e dos encartes era e sempre foi a população, e a esse destino eles chegaram, por intermédio desse canal de distribuição em que se constituiu o Partido dos Trabalhadores." As explicações têm sua lógica. Se elas são suficientemente fortes para arquivar o caso ou não, isso deve ser decidido pelo órgão competente, o TCU. Por essa razão, o trabalho de bastidor do ministro Marcos Vilaça para impedir o avanço do processo recobre-se de suspeita. A transparência da coisa pública exige que cheguem o mais rápido possível ao conhecimento da opinião pública o voto do ministro-relator, as explicações dos envolvidos, bem como o resultado a ser obtido na votação em plenário pelos demais ministros do TCU. Enquanto isso não ocorrer, a opinião pública está no direito de ver no caso do sumiço dos panfletos de propaganda do governo os contornos de ilícitos muito mais sombrios do que aqueles que o ministro Vilaça parece querer esconder.


Editado por Giulio Sanmartini   às   9/10/2006 01:46:00 AM      |