Entrevistas
Arthur Virgílio
Gerson Camata
Júlio Campos
Roberto Romano - 1ª parte
Roberto Romano - 2ª parte
Eluise Dorileo Guedes
Eduardo Mahon
p&p recomenda
Textos recentes
Arquivo p&p
  
CRISE ESCANCARA O DESPREPARO
Editorial em O Estado de São Paulo
Feliz ou infelizmente - porque isso denota a escassa importância política do Brasil na ordem mundial -, o País não está habituado a crises diplomáticas. A última de que se tem memória foi o confronto com os Estados Unidos nos governos Carter e Geisel, em meados dos anos 1970, envolvendo o programa nuclear brasileiro em parceria com a Alemanha e as violações dos direitos humanos no regime dos generais. Brasília denunciou o acordo militar com Washington e, no plenário da ONU, votou a favor da resolução que equiparava o sionismo ao racismo (do que voltou atrás no governo Fernando Henrique). Antes, nos anos 1960, ao tempo de Castelo Branco e De Gaulle, Brasil e França se estranharam na patética 'guerra da lagosta', que levou o líder francês a dizer que este não era un pays sérieux.
Mas a costumeira ausência de atritos nas relações bilaterais do Brasil - já nos foros econômicos multilaterais o clima não é tão ameno - não pode ser invocada para atenuar a incompetência com que a presidência Lula opera diante do que não é uma crise súbita e inesperada como um raio em céu azul, mas uma crise anunciada até como programa de governo. Assim, a ordem de seqüestrar as receitas da Petrobrás na Bolívia de modo algum podia apanhar o Planalto desprevenido. Para não remontar às promessas estatizantes do então candidato Evo Morales, desde que ele nacionalizou as operações da estatal brasileira, em 1º de maio, agregando à decisão a bravata subdesenvolvida - e humilhante para o seu 'irmão mais velho' Lula - de ocupar militarmente as instalações da empresa, Brasília devia estar preparada para um repique como o desta semana.
Talvez o presidente não conheça o termo, mas tampouco isso torna inconcebível que não houvesse um plano de contingência para o ato que acaba de empurrar o relacionamento brasileiro-boliviano rampa abaixo. Ou, por outra, que os verdadeiros condutores da política externa no atual governo - o secretário-geral do Itamaraty Samuel Pinheiro Guimarães e o assessor presidencial Marco Aurélio Garcia - tenham desconsiderado os cenários pessimistas que decerto os competentes quadros do Palácio dos Arcos devem ter traçado nos últimos meses para orientar o presidente da República. O resultado é de dar dó. O ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, se queixou de que o Brasil ficou sabendo do confisco pelos jornais bolivianos - sinal, entre outras coisas, de que deixa a desejar o presumível trabalho dos serviços brasileiros de inteligência no vizinho país.
Já a queixa do lamentável professor Garcia, cuja subserviência ao chefe se impõe até ao que possa ter de auto-respeito, foi incomparavelmente pior. Se Morales 'tivesse levado em consideração' os interesses reeleitorais de Lula, lamuriou-se, 'não teria tomado essa decisão unilateral'. Note-se bem: o que motivou a reclamação do assessor internacional do Planalto - titular de uma função pública, remunerada pelo público - não foi o caráter hostil da resolução boliviana ao Estado nacional, até como acionista majoritário da Petrobrás, mas o seu eventual impacto sobre o cacife eleitoral de Lula. E o que dizer da reação do presidente em pessoa? Perguntado sobre a questão numa entrevista, saiu-se com o seguinte: 'Obviamente que, se a Bolívia teimar em tomar essas atitudes unilaterais, o Brasil vai ter de pensar em como fazer uma coisa mais dura com a Bolívia.'
Vai ter de pensar em como fazer! E isso depois de passar dois dias pensando, supõe-se, em como fazer. Não bastasse o ar de 'me segura se não eu bato' da infeliz manifestação, já era tempo de alguém dizer a Lula - se é que alguém tem coragem para tanto, sabendo-se como ele trata os seus colaboradores - que chefes de Estado, diante de um acontecimento do gênero, absolutamente esperável por sua coerência com o retrospecto e a lógica 'bolivariana' do presidente Morales, simplesmente agem. Assim que o governo soube, pelos jornais bolivianos, que seja, da expropriação dos ingressos da Petrobrás, a resposta óbvia era a de chamar 'para consultas' o embaixador brasileiro em La Paz. Esse procedimento adotado no mundo inteiro quando um país quer externar o seu desagrado com uma atitude de outro que o atinja constitui uma mensagem inequívoca que joga a bola no campo adversário e pode ser o primeiro passo no caminho de 'uma coisa mais dura'. Mas para isso o Brasil precisaria ter um chanceler forte e um presidente preparado.






Editado por Giulio Sanmartini   às   9/17/2006 02:36:00 AM      |