Por Gaudêncio Torquato em O Estado de São Paulo Perguntinha que começa a freqüentar interlocuções precavidas: e em 2007 como estará o Brasil? A indagação embute a esperança de que o País, após atingir o pico da crise política, tenha pavimentado o caminho para realizar reformas menos cosméticas, a começar pelo sistema político, pivô da débâcle moral que solapa a base da respeitabilidade nas instituições. A previsão de um futuro melhor abarca políticas públicas que expandam o bem-estar geral, significando, por exemplo, dinheiro no bolso, harmonia e segurança, serviços públicos qualificados, a partir da saúde e educação, e o sentimento de que os valores republicanos - obediência à lei, acesso à Justiça, igualdade de gêneros e classes - foram resgatados. Há uma percepção crescente de que o País precisa fechar o ciclo de programas provisórios e improvisados, de conchavos políticos para repartição de espaços públicos e de tensões intermitentes entre Poderes da República. O Brasil precisa encontrar sua grandeza. Daí a inquietação geral: será que a pasmaceira desses tristes dias continuará a anuviar os nossos horizontes?
Para destrinchar a questão coloquemos no tabuleiro as peças que comandarão o jogo. Primeiro, vale supor que Luiz Inácio, pelo andar da carruagem, esteja com o pé no segundo mandato. Se ganhar, será porque percebeu que o estômago eleitoral tem mais força que a cabeça. Admitamos, portanto, que seja ele o patrocinador de um novo ciclo. A primeira porta que abrirá será na casa política. De pronto, a observação: metade do mandato será perdida com a costura para dar sustentação ao governo. E outra grande parte será dedicada ao cozimento político com vista ao pleito de 2010. O Brasil é assim mesmo: nem bem termina uma eleição e já começa outra. A moldura partidária será mais clara. As 29 siglas serão reduzidas a 7 ou 8, algumas podendo formar federações para integrar partidos punidos pela cláusula de barreira. Os exércitos de oposição e situação serão menos poluídos. Obtendo votação entre 14% e 18% dos votos, PMDB, PT, PSDB e PFL liderarão o processo político, acirrando a polarização. Tucanos e pefelistas descoserão a atual aliança, seguindo cada qual seu próprio curso. Para evitar negociar no varejão do primeiro mandato, que deu origem à tormenta, Lula fará tudo para abarcar o PMDB, com a maior bancada parlamentar e o maior número de governadores (nove). O ensaio de atração já acena com a outorga de oito ministérios ao partido. Se todos os atores não forem contemplados, o racha peemedebista continuará. Mas há a questão da identidade. Se não puder interferir nas linhas do governo, o partido será caudatário do PT. Como tal, o PMDB claudicará. A solução para o resgate do maior partido se chama Aécio Neves, governador mineiro. Fernando Henrique, voz ativa no tucanato, alertou Aécio para evitar ser 'inocente útil do PT'. Modo de dizer que é serrista de carteirinha. Sob esse desenho, o neto de Tancredo agregará condições para ser o próprio candidato de Lula à sua sucessão. Por qual partido? Ora, pelo PMDB. Lembrete: os maiores investimentos do atual governo - seja na área da infra-estrutura, seja no curral do programa Bolsa-Família - foram para Minas Gerais. O respeito mútuo entre o presidente e o governador, regado a simpatia, funcionará como ímã. Lã entre vidros, o neopeemedebista Aécio amaciará atritos entre grupos, habilitando-se a lutar contra o velho companheiro Serra e o ex-aliado César Maia, perfis loucos para entrar no páreo de 2010. Mas a banda apocalíptica do PT - utópicos e ortodoxos da fé socialista - pegará a foice e o martelo para combater os pragmáticos lulistas. Sob essa tessitura, a reforma de padrões políticos animará o debate congressual. Veremos pílulas, decisões pontuais, pequenos adereços. Como se vê, não haverá muito avanço pelo lado da política. A tensão se juntará às águas revoltas dos movimentos sociais, que hoje se acomodam na tática de preservar Lula. O MST, após as eleições, partirá para o 'tudo ou nada'. Cogumelos sociais aflorarão por toda parte, cobrando reformas e ocupando espaços nas frentes institucionais. A ressaca da crise dará muita dor de cabeça ao novo governo. Será rechaçada pelos núcleos organizados a tentativa de manter o status quo dos padrões políticos e a matriz assistencialista da administração federal. A relação social com a instituição política será menos leniente. Lula, presidente, verá o canto do ringue quando a pressão empresarial der ultimato exigindo índices maiores de crescimento, menor carga tributária e corte drástico nas contas públicas; quando os contingentes pobres continuarem a clamar pela extensão do cobertor assistencialista, que alivia tensões, mas gera acomodação; quando a fatura do rombo da Previdência começar a ser cobrada ou, ainda, quando a desaceleração da economia global, prevista até pelo FMI, começar a dar as caras por aqui. E não se pense que a conta seria menor se Geraldo Alckmin fosse o pagador. Como as pesquisas, até o momento, apontam para a vitória de Lula, é razoável inferir que a nova trajetória terá mais percalços que a anterior. Não se pense, porém, que o presidente terá liberdade para fazer o que não fez no primeiro mandato. Esse é o argumento de quem acha que ele pode virar o País pelo avesso, incentivando a quebradeira, amaciando a base da pirâmide e apertando o meio. Lula também não poderá insistir na economia de obtenção de altos índices de estabilidade. Crescimento será a palavra-chave. O País precisa crescer entre 4,5% e 5% ao ano, bem mais que os 2,8%, índice médio dos quatro anos lulistas. O discurso de que governa para os pobres aprofundaria o hiato social. Da representação política se cobrará respeito ao mandato. A Justiça Eleitoral deverá ser mais rigorosa, fazendo valer a lei. (O próprio presidente da República não estará imune a punição.) Depois de tantos abalos, a comunidade quer enterrar as cinzas do passado e resgatar esperanças desperdiçadas.
Editado por Giulio Sanmartini às 9/17/2006 02:34:00 AM |
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