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O BRASIL EM PONTO MORTO
Por Guilherme Fiúza em no mínimo
As matérias sobre o programa de governo de Lula para o segundo mandato, apresentado ao país nesta terça-feira, estão partindo todas de uma abordagem equivocada. Começam sempre dizendo o que o presidente pretende fazer nos próximos quatro anos. A regra básica do jornalismo determina que uma matéria deve começar pela informação mais importante (o famoso lead). Portanto, o correto no caso é iniciar a notícia pelo que Lula não pretende fazer.
No novo programa de governo do PT, o mais importante é, disparado, o que não está escrito nele.
Não vai haver, por exemplo, reforma da Previdência. O rombo anual de 40 bilhões de reais que representa hoje o maior problema das finanças públicas vai ficar lá mesmo (crescendo, evidentemente). O governo acredita que não há necessidade de mexer nesse sistema falido.
Não vai haver reforma tributária. A carga de impostos que acaba de chegar à mordida recorde de 37,3% de tudo o que o Brasil produz (cálculo conservador) vai ficar onde está, na melhor das hipóteses. Este cipoal de taxas e contribuições, que explodiu no governo Fernando Henrique e foi incrementado no atual, essa forma desvairada de ajuste fiscal que esculhamba a economia nacional, ficará intacta.
Não vai haver contenção de gastos públicos. As despesas do governo, que vêm se espalhando com a inflação de ministérios e novos cargos de confiança, e que fechou este semestre 14,8% acima do período anterior, continuarão subindo alegremente. O governo diz que a oposição quer cortar gastos públicos para reduzir os programas sociais, e a ministra Dilma já declarou que “gasto corrente é vida”. Ou seja, a máquina vai continuar devorando a mesma fatia do seu dinheiro.
Não vai haver projeto de infra-estrutura. As agências reguladoras, órgãos de Estado criados para despolitizar as regras dos serviços públicos, aparentemente continuarão esvaziadas, como apêndices dos ministérios, usadas como cabides partidários. Como o único dinheiro que pode alavancar a infra-estrutura é o dinheiro privado, pode-se imaginar que o setor continuará à míngua.
O programa de governo de Lula tem uma idéia: manter a política econômica de Fernando Henrique, com superávit primário de 4,25% do PIB e metas de inflação. Em time que está ganhando não se mexe. Não obstante, o documento dedica um bom espaço para algo estranho a programas de governo: fazer acusações ao governo anterior. Acusações a que? À política econômica de Fernando Henrique. Eis um documento verdadeiramente irreverente.
O programa de Lula informa que o governo vai priorizar o crescimento econômico. Ótima idéia. Como se faz isso? Eles devem ter a fórmula, mas não revelam. Vai ver, não querem dar munição ao inimigo. Faz sentido.
Outra decisão corajosa: reduzir os juros. Finalmente um governante com peito para realizar essa tarefa. Não está escrito como isso vai ser feito, deve ser para não estragar a surpresa. A única dúvida que fica é que, como até Cristovam Buarque já avisou, juros só caem com o equilíbrio das contas públicas – estas que o programa Lula II resolveu deixar bem à vontade. Talvez o PT vá pedir emprestada a varinha de condão de Heloísa Helena.
Mas nem tudo são palavras bonitas. Há um número no programa: aumento da taxa de investimento de 20% para 25% do PIB. Como se sabe, taxa de investimento é conseqüência direta daquilo que o país consegue poupar. Ou seja: Lula, o homem e o mito, será também o santo padroeiro dos endividados. Vai sobrar mais dinheiro no Brasil. Deus seja louvado.
E é claro que numa peça tão objetiva e contundente não poderia faltar ela, a inimiga de todos os males, a redenção nacional recitada por dez entre dez sociólogos de plantão, a panacéia preferida do público esclarecido: a reforma política. Entre outras medidas salvadoras da moral pátria, como a votação em lista fechada e o voto distrital (esse já quase um mantra), aparece o milagroso “financiamento público de campanhas” – aquela saída genial que distribui dinheiro do contribuinte entre os políticos e desloca o caixa um para a coluna do caixa dois.
Um crítico mal-humorado, com inveja do triunfo iminente de Lula, poderia perguntar por que um programa de governo, isto é, uma plataforma do Poder Executivo, num país com tudo por fazer, está prometendo prioridade para uma reforma que é essencialmente do Poder Legislativo. Evidentemente, uma pergunta dessas, a esta altura, seria inaudível em meio ao estouro do champanhe.
O programa de Lula traz ainda, é bom assinalar, duas metas de alta precisão: combate à exclusão e educação de qualidade.
Com um plano de vôo tão minucioso quanto este, talvez o presidente possa até deixar o país no piloto automático e curtir melhor as delícias do paraíso. Não há dúvidas: o ex-operário chegou lá.


Editado por Giulio Sanmartini   às   8/30/2006 03:50:00 AM      |