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DE CASO COM AS MÁFIAS
Por Dora Kramer em o Estado de São Paulo
O episódio de Rondônia é o resumo de uma realidade: o crime sentou praça no Estado
As prisões de autoridades em todos os Poderes constituídos e o envolvimento de outras tantas - entre as quais 23 dos 24 deputados estaduais - em esquemas de corrupção no Estado de Rondônia impressionam, mas, em tese, não deveriam surpreender.
O episódio resume o que se passa País afora e traduz em cores fortes e conceitos simples o significado da questão posta atualmente no Brasil: a instalação do crime dentro do Estado.
Aconteceu em Rondônia, correm boatos de que vem coisa parecida de Roraima, mas se a gente olhar bem direito e a polícia procurar bem procurado, com vontade de encontrar, vamos ver que isso não é "coisa lá de cima", exclusividade das terras comumente tidas como sem lei.
É desagradável reconhecer, é mais fácil simular não ver, mas a quantidade de ilícitos envolvendo gente com assento nas mais variadas instâncias do poder público obviamente aponta para uma situação de grave e já disseminada contaminação.
O fato de existir um Estado inteiro de quadrilheiros oficiais e um Congresso quase todo de malfeitores - se considerarmos das mais socialmente aceitas às mais pesadas infrações, sobram poucos - não pode ser dissociado do entra e sai de armas, drogas e celulares dos presídios nem da ousadia do crime organizado e seus repetidos ataques em São Paulo.
Tudo tem origem na mesma fonte: a corrupção.
E só não acontece parecido no Rio de Janeiro - para citar só um exemplo - agora porque a bandidagem por algum motivo não quer. Se quisesse, e já quis diversas vezes, ela "vira" as cadeias e comanda ações de fora dela na proporção direta do nível de corrupção pública e privada arraigada na coletividade.
Sempre aparecerá alguém para dizer que não é bem assim, que não se devem fazer generalizações e que, guardadas exceções, há controle da situação. Não há. Possibilidade de correção, esta sim há, mas controle da corrupção é auto-engano supor que exista. Quando se descobre um duto aqui, abre-se logo outro ali, um terceiro acolá e assim sucessivamente.
Quando o ministro da Justiça diz que, assim como a população, está "amedrontado" com a ação dos criminosos - e no caso referia-se aos conceitualmente "clássicos", não aos detentores de poder institucional -, de duas uma: ou ele está querendo dramatizar politicamente uma situação, pensando complicar a vida de adversários eleitorais e constrangê-los a aceitar paliativos de cunho publicitário, ou está reconhecendo a falência do Estado.
A primeira hipótese é pior e menos plausível, pois o "medo" eleitoralmente fabricado fortalece o bandido e isso nem de longe passaria à mente do ministro fazer. A outra, a admissão de que o fundo do poço foi alcançado, aponta esperança de avanço, porque traduz desarmamento de espírito e senso de realidade, o que pode significar muito se vier junto com o sentido de não-rendição, de noção do absurdo do quadro em volta.
Anos atrás, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, o então chefe do Gabinete Institucional, general Alberto Cardoso, fez um alerta aberto e franco sobre a existência dos "estados paralelos", onde predominava a criminalidade sobre o poder público. Citava entre os casos mais agudos o Rio de Janeiro.
Sofreu pressões políticas de aliados do presidente e foi obrigado a se retratar porque "ousou" dizer uma verdade que as autoridades responsáveis (?) não queriam ouvir. O general apontava para o imperativo de tomar uma providência se não quiséssemos que, em breve, o País se visse na condição de refém do crime.
Ele falava apenas do narcotráfico, a matriz do crime organizado. Tinha toda razão, embora não pudesse prever, nem falasse nisso à época, que de crimes e Estado, um contaminando o outro, seu vaticínio estaria muito aquém da realidade.


Editado por Giulio Sanmartini   às   8/08/2006 05:44:00 AM      |