Por Por Beatriz Singer, de Londres no Observatório da Imprensa Não demorou muito para as primeiras cortinas caírem e revelarem bastidores constrangedores na cobertura dos conflitos do Oriente Médio. Veio a público na segunda-feira (7/8) que o fotógrafo libanês Adnan Hajj, free-lancer da agência Reuters, é autor de não uma, mas pelo menos duas fotografias comprovadamente manipuladas. Hajj, baseado em Beirute, assumiu ter alterado suas fotos com uso do programa gráfico Photoshop. Constrangida, a agência de notícias retirou todas as fotos do infrator de seu banco de dados, encerrou o contrato com o fotojornalista e instituiu um "procedimento de edição mais elaborado" para a cobertura do conflito Israel-Hezbollah após o que a própria agência chamou de "a mais grave infração de padrões da Reuters".
Uma das imagens mostrava rolos de fumaça negra saindo de prédios da capital libanesa após ataque aéreo de Israel. A manipulação consistiu em intensificar a fumaça e a destruição dos locais afetados. Ao descobrir a infração, a Reuters começou a investigar outros trabalhos do fotógrafo e encontrou mais uma imagem adulterada. Desta vez, um caça F-16 israelense sobrevoando o sul do Líbano foi modificado para que o número de mísseis sendo lançados aumentasse de um para três. A Reuters tem 920 fotos de Hajj em seu banco de dados, das quais 43 são do conflito iniciado em 12 de julho. Embora afirme que duas manipulações não significam que todas as imagens foram alteradas, a agência julgou prudente retirar de circulação todas as fotos do infrator. Segundo apurou Julia Day [The Guardian, 7/8/06], a partir de agora apenas editores seniores poderão pôr fotos do conflito no Oriente Médio na pasta de imagens global da Reuters. Apenas o começo Agora que ficou clara a possibilidade de chegar ao público uma verdade distorcida pela mídia corporativa, algumas informações também estão sendo "corrigidas". A CNN, por exemplo, informou na segunda-feira (7/8) que, ao contrário do que disse o primeiro-ministro libanês Fouad Siniora, em discurso reproduzido pela emissora e diversas outras estações do mundo, houve apenas um, e não "40 mortos" em um "massacre horrendo" ocorrido no vilareho de Houla, ao sul do Líbano. Convenhamos que errar em 39 de um total de 40 baixas é um tanto exagerado para ser relevado. Erros como esses começarão a ser descortinados à medida que um verdadeiro exército de blogs e páginas independentes na internet se dedicam a escarafunchar o trabalho da grande mídia e, para desespero desta, recebem destaque e atraem o público. Basta visitar um deles para obter links para todos os outros, numa verdadeira "teia-cidadã". Mais uma vez, o jornalismo-cidadão Após o blog britânico EU Referendum denunciar irregularidades no uso de fotos da Associated Press, o autor do furo de reportagem envolvendo as manipulações das fotos da Reuters foi outro blog, desta vez o americano Little Green Footballs, que a partir de minuciosa pesquisa descobriu as manipulações perpetradas pelo fotógrafo da Reuters. Segundo reportagem de Sheera Claire Frenkel [The Jerusalem Post, 6/8/06], Charles Johnson, colaborador regular do blog, disse que as evidências de manipulação eram gritantes. "Note a repetição na seqüência da fumaça. Isso é coisa da ferramenta ‘clone’ do Photoshop". A questão que fica no ar é como a Reuters deixou passar uma "barriga" dessas, uma vez que a alteração é identificável por qualquer fotógrafo, ou mesmo por leigos. Com poder de fogo bem menor, sítios pessoais e alternativos declararam guerra à mídia de massa desde o começo do conflito, alegando que esta não está cumprindo seu papel de informar eventos como eles realmente são. Com mais esta descoberta, o jornalismo-cidadão "multipontual" venceu o singular, alienante, centralizador e unidirecional. Encontrar duas imagens manipuladas, contudo, não significa que a guerra toda é encenação. Significa apenas que o que chega até o público nem sempre é a realidade, e que, nos tempos que correm, acreditar cegamente na grande mídia para saber o que se passa no Oriente Médio é tão ingênuo quanto achar que o conflito está perto do fim. Àqueles que ainda não entenderam que blogs e páginas pessoais podem ser mais sérios do que a grande mídia, e para os que acham que adulteração de imagens só acontece em livro de ficção, está na hora de rever conceitos.
Editado por Giulio Sanmartini às 8/09/2006 01:23:00 AM |
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