Editorial em O Estado de São Paulo O presidente Hugo Chávez é um grande ilusionista. Quem o ouve, sem o cuidado de conferir se o que diz e o que faz são a mesma coisa, acaba acreditando que o antigo coronel golpista é o maior líder revolucionário contemporâneo, em condições de substituir o mitológico Fidel Castro e com vantagens, pois a Venezuela não é uma ilha e conta com as imensas riquezas do petróleo. Recentemente, por exemplo, depois de passar pelo Irã - onde estabeleceu uma “aliança estratégica” com o regime xiita, que apóia o terrorismo internacional e se prepara para desenvolver a “bomba atômica islâmica” -, Chávez fez uma escala no Vietnã e lá fez uma profecia escatológica. “O capitalismo vai levar à destruição da humanidade”, afirmou, acrescentando que “os Estados Unidos são o demônio que representa o capitalismo”. Chávez se vê como o paladino que não só impedirá que os marines americanos invadam a Venezuela - e para isso está armando milícias -, como também evitará que os Estados Unidos concretizem seus planos de dominação global. Com a mão esquerda, Hugo Chávez anuncia o advento do “socialismo do século 21” e engabela os crédulos aos quais pede que se aliem a ele na luta contra os Estados Unidos e o capitalismo. Mas, com a mão direita, incrementa o comércio com os Estados Unidos e transforma a Venezuela num paraíso para os banqueiros. Chávez faz acordos comerciais mirabolantes com Cuba e Bolívia, constituindo a tal Alternativa Bolivariana para as Américas, mas não é com esses países que de fato comercia, e sim com os Estados Unidos.
Reportagem do New York Times, que o Estado reproduziu na quinta-feira, mostra que o comércio bilateral, graças ao petróleo, cresceu 36% em 2005, chegando a US$ 40,4 bilhões. Foi o crescimento mais acelerado entre os 20 maiores parceiros comerciais dos Estados Unidos. Só nos três primeiros meses de 2006, as exportações venezuelanas não petrolíferas para os Estados Unidos cresceram 116%. E as empresas americanas têm feito bons negócios na Venezuela, exportando automóveis, equipamentos de construção e computadores, por exemplo, num acréscimo de cerca de 50% em relação ao ano passado. Empresas que são consideradas um apêndice da Casa Branca, como a Halliburton, prestam serviços à estatal petrolífera da Venezuela. As montadoras americanas de veículos não têm mãos a medir: as vendas do mês passado foram 28% superiores às de julho de 2005. E não é só isso. Também na quinta-feira, o jornal Valor transcreveu matéria do Financial Times mostrando que os banqueiros só têm tido alegrias na Venezuela. A “revolução bolivariana”, que deveria ser a redenção dos pobres e dos oprimidos, está produzindo uma nova classe de milionários - além de consolidar fortunas já existentes. Por exemplo, os depósitos na sucursal de Caracas de um banco especializado em operações off shore na Ilha de Antígua - que só atende a grandes fortunas - aumentaram 600% só neste ano. Há emissões recordes de cartões de crédito sem limite de movimentação. E os bancos de varejo também não têm do que reclamar. Em 2005, os seus ativos cresceram de US$ 29,3 bilhões para US$ 39,8 bilhões. Os empréstimos ao consumidor tiveram um aumento de 200% em dois anos. Os bancos venezuelanos não sofrem percalços desde que Chávez assumiu a presidência. Em 2002, quando o preço do petróleo estava baixo e o país passava por grave recessão, Chávez cobriu o déficit público e expandiu as despesas governamentais emitindo títulos de alta rentabilidade, absorvidos pelos bancos que passaram a figurar entre os mais lucrativos da América Latina. Com o aumento do preço do petróleo, Chávez aumentou os gastos públicos em 70%, a economia cresceu 17,9% em 2004 e 9,3% em 2005 e houve grande demanda por crédito. Além disso, a maior parte dos US$ 3,6 bilhões em títulos soberanos argentinos que Chávez comprou para obter a colaboração do presidente Néstor Kirchner para seus planos de liderança regional foi repassada aos bancos locais. Estima-se que as operações de arbitragem cambial desses títulos já forneçam aos bancos a maior parte de suas receitas. É assim que Hugo Chávez está cumprindo a sua meta de “transformar as estruturas do capitalismo”. Afinal, inimigos, inimigos, negócios à parte.
Editado por Giulio Sanmartini às 8/22/2006 01:21:00 AM |
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