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"O POVO CONTINUA ESPERANDO"
por Fernando Sampaio na Tribuna da Imprensa
A política econômica do governo Lula privilegia o capital em detrimento do trabalho e, em última instância, é neoliberal. A opinião é do presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e arcebispo da Arquidiocese de Salvador, Bahia, dom Geraldo Majella Agnelo. Para ele, no governo Lula "o capital e os seus proprietários continuam muito bem, obrigado. O povo continua esperando o momento de ser prioridade na política econômica e social".
Numa crítica direta aos programas assistencialistas do governo, como o programa Fome Zero, dom Geraldo Majella Agnelo alerta que, "quem tem fome não pode esperar", e ações urgentes são necessárias para amenizar a fome do povo. "Mas ações estruturais e não apenas assistenciais".
Na sua opinião, mais do que a imagem negativa do Congreso Nacional envolvido em escândalos, é preocupante a imagem das instituições democráticas como um todo. "Se a sociedade começa a pensar que não vale a pena acreditar na política e nos políticos como instrumento de convivência social, chegaremos a um estado de caos, extremamente preocupante", disse.
TRIBUNA DA IMPRENSA - Por que a CNBB recentemente disse que o governo não correspondeu à expectativa de políticas de inclusão social?
DOM GERALDO MAJELLA AGNELO - Talvez o problema maior seja sempre o discurso nas campanhas eleitorais. Muitas vezes o candidato promete uma mudança no país e faz o povo acreditar nisso para alcançar o poder. Ele sabe que não é assim tão fácil. É o que se vê.
O que o senhor acha da política econômica do governo?
É uma política que privilegia o capital em detrimento do trabalho. Em última instância é neoliberal. O capital e os seus proprietários continuam muito bem, obrigado. O povo continua esperando o momento de ser prioridade na política econômica e social.
E do programa Fome Zero?
O programa também ainda deixa muito a desejar. E quem tem fome não pode esperar. Ações urgentes são necessárias para amenizar a fome do povo. Mas ações estruturais e não apenas assistenciais.
Como o senhor analisa a desigualdade de renda no País?
É um problema histórico que, enquanto não existir uma forte vontade política dos nossos governantes, vai continuar. Não é exclusividade deste governo, não é construção de Lula. É conseqüência da construção histórica de um país periférico.
Lula prometeu aumentar a geração de empregos, mas pelo visto o crescimento ainda é muito aquém. O que dizer?
A geração de expectativas, se não concretizadas, gera uma imensa frustração. É o que estamos vivendo. Ações paliativas não resolvem o problema. É preciso independência do capital internacional e vontade política. O modelo que aí continua vai sempre gerar exclusão.
Qual é a alerta do senhor contra a pobreza no Brasil?
É preciso mudar o homem antes e concomitantemente ao desejo de mudar a sociedade. A pobreza é fruto do pecado humano que gera o egoísmo. A Igreja apresenta sempre o Cristo, sua pessoa, sua palavra e seu projeto, em vista da mudança do homem e, conseqüentemente, da mudança da sociedade. Esta é a nossa especialidade. Mais que política, economia e sociologia.
A pobreza, aliada à violência, corrói o tecido social. Como reverter isso?
Como disse anteriormente, mudando a pessoa humana.
Na sua opinião, como fica a imagem do Congresso Nacional diante do envolvimento de tantos parlamentares em escândalos?
Mais do que a imagem do Congresso Nacional é preocupante a imagem das instituições democráticas como um todo. Se a sociedade começa a pensar que não vale a pena acreditar na política e nos políticos como instrumento de convivência social, chegaremos a um estado de caos, extremamente preocupante.
Ao seu ver, quais as medidas que deveriam ser postas em prática para coibir essa situação?
É preciso educar as pessoas para o exercício democrático. Ser livre é ter a capacidade de escolher, saber escolher. Quanto mais o nosso povo souber escolher os seus representantes, mais teremos um Congresso e todas as instituições democráticas fortalecidas.
Como o senhor define o caixa 2 nas eleições?
Uma vergonha. É uma pena.
Qual o seu diagnóstico sobre as CPIs?
As CPIs são instrumentos válidos do processo democrático. É preciso ter cuidado para não esvaziar o seu significado e seu valor com tanta multiplicação de comissões parlamentares e com fins tão frustrantes para a população que espera justiça.
Com a crise dentro do PT, o senhor acha que a esquerda se desmoralizou?
A Pós-Modernidade, ou contemporaneidade, trouxe a chamada crise de paradigmas. As verdades fundantes para a sociedade estão em crise. Uma desta verdades, destes lastros, é a política. Não é uma questão de direita ou esquerda. A instituição política está em crise e precisa se reencontrar com sua verdade, que é o serviço à população, e não o desfrute de vantagens.
Em época de eleição, qual é a alerta que o senhor faz aos eleitores?
Primeiro, não deixar de acreditar no voto como possibilidade real de participação nos destinos do país. Segundo, escolher seus candidatos sem se deixar encantar pela propaganda de forte apelo emocional, mas que não apresenta projetos e propostas concretas. Terceiro, não pensar que este ou aquele candidato, por mais que prometa, vai trazer a solução para todos os problemas. Finalmente, depois de votar, acompanhar a vida política do seu candidato. Se ele não corresponder as expectativas, nunca mais votar nele.
O que o senhor espera do presidente Lula nesse final de governo?
Que seja o governo do serviço ao povo brasileiro e da honestidade com os princípios fundamentais para o exercício deste serviço.
Com o governo Lula, o senhor acha que a esperança dos brasileiros sobre a construção de um Brasil melhor piorou ou não?
Não apenas com o governo Lula. É preciso ter uma visão histórica mais ampla. Estamos vivendo, desde o retorno da democracia, o povo brasileiro viveu picos de expectativas e abismos de frustração. A alegria pela eleição de Tancredo Neves e, logo em seguida, a tristeza profunda por sua morte. O empenho para fazer valer o congelamento de preços no governo Sarney e o retorno galopante da inflação logo depois. A esperança renovada com o jovem e ético presidente "caçador de marajás" e a descoberta aterradora de que ele era o maior de todos. A eleição do presidente sociólogo que lutou pela redemocratização, acendendo luz no fim do túnel e, na seqüência, a venda e sucateamento das riquezas nacionais. Agora o PT. Homens que pareciam perto de tudo que se imaginava, menos da corrupção, agora são corruptos e corruptores. É uma seqüência histórica de frustrações que mina qualquer possiblidade de surgimento de uma esperança firme.
A CNBB irá apoiar a reeleição de Lula?
A CNBB não apóia, e nunca apoiou, nenhuma candidatura. Os membros da Conferência são livres para tomadas de decisões, públicas ou não. A instituição nunca apoiará nenhum candidato.



Editado por Giulio Sanmartini   às   7/17/2006 04:29:00 AM      |