Por Laurence Bittencourt Leite, jornalista
Nunca ouvi, ou li sequer uma citação em nosso meio sobre Jane Austen. Isso significa que entre nós não há leitores dela? Claro que não. Sequer posso conceber tal descaso. No entanto, como tenho bom coração, e gosto dos meus leitores, resolvi cobrir tal buraco, se porventura existir. Embora reconheça que qualquer pessoa letrada e lida, ou que se considere como tal, não possa deixar de conhecer essa escritora inglesa nascida no século XVIII, que junto com as irmãs Brontê, figura entre os maiores novelistas de todos os tempos, escrevendo verdadeiros clássicos da literatura mundial. Mas quem foi Jane Austen?
Apesar de ter um público (para os padrões europeus mesmo do século XVIII e XIX) moderado, Austen encontrou no século XX todo o reconhecimento merecido e os seus livros não param de se reeditados e lidos (espero), tendo sua fama encontrado a altura merecida. Austen é filha do século XVIII com todo o preconceito e falta de perspectiva da mulher diante de uma profissão, a tal ponto que ela não chegou sequer a publicar qualquer dos seus seis livros editados com o próprio nome, e sim, sob pseudônimo. Uma das conquistas do capitalismo e da modernidade foi propiciar às mulheres um lugar no campo de trabalho. As feministas claro não dão o credito ao capitalismo, mas esse fato e dado são inegáveis para quem tem o mínimo de conhecimento em história. A burguesia (leia-se o capitalismo) continua sendo a grande revolução como bem disse Marx no seu “Manifesto do Partido Comunista” lançado em 1848. Marx nesse sentido foi honesto ao contrário de outros socialistas lidos, o que claro, não entra trogloditas e ditadores como Hugo Chaves. Voltemos a Austen. Ela, segundo seus biógrafos, morreu virgem, solteirinha da silva, morando toda a vida com a família. No entanto, ninguém escreveu melhor sobre o amor do que ela. A pergunta que se faz é: como alguém que viveu solteira e quase afastada da vida social pode ter escrito tão bem sobre as relações amorosas entre homem e mulher? Freud explica claro. Mas se você pensa que por viver numa Inglaterra aristocrática e ainda provinciana, embora já começando a dar provas da grande potencia que seria, Austen teria pouco a dizer sobre as relações humanas que pudessem interessar ao nosso tempo, você está redondamente enganado. Para usarmos a expressão de um dos seus personagens que para as tantas diz, “aprendemos Shakespeare sem o saber, e o encontramos em todo lugar”, o mesmo se pode dizer de Austen e seus romances. A sua prosa é tão bem escrita, suas histórias tão cativantes, sutis, com uma fina ironia aos valores da época, que alguns já a compararam ao próprio Shakespeare, e sem dúvida é possível dizer que Austen entendia mais sobre a natureza humana do que diversos e diversos tratados filosóficos. Os livros de Jane ganharam tal notoriedade no nosso tempo que a autora se tornou além de mito, uma propriedade privada de acadêmicos. Já li textos, alguns (a maioria) estrangeiros, e mesmos nacionais, onde ela serve de parâmetro para defesa de teses envolvendo economia, moda, vestuários, história, psicologia, e claro, o amor. Mas nenhum que se compare a sua própria escrita. Houve até quem quisesse comparar Austen ao francês Choderlos de Laclos em especial com o livro “Ligações perigosas”, tentando encontrar diferenças entre a aristocracia francesa e inglesa. Mas se temos em Laclos o amor como um jogo de disfarces, onde paixões e arrebatamentos não devem ser demonstrados para não perder a postura, pois mesmo sendo algo privado tem vistas para o público, afinal todos temos curiosidade pelo social, em Austen temos o amor representado como algo que pode ser bom, racional e civilizado. Austen bem entendido, não é nenhuma Rousseau no estilo “A nova Heloisa”, e todo seu pieguismo. Ao contrário. Em Austen o sentimento amoroso é mostrado em livros como “Orgulho e Preconceito”, “Razão e sensibilidade”, “Emma”, “Persuasão” e mesmo “Mansfield Park” que muitos críticos consideram o mais biográfico de todos, de uma forma não piegas, e sim que pode ser um bom encontro. Eu até arriscaria dizer que entre Choderlos de Laclos que via na sociedade francesa do ancien regime o amor como algo egoísta, mentiroso e destrutivo, e de outro Stendhal de “O vermelho e o negro”, com as idas e vindas do amor inseguro, nascido do conflito da baixa estima e vaidade, Austen estaria localizada entre ambos. Para quem acredita no amor elegante, fisicamente prazeroso, onde encontrar a alma gêmea pode não ser uma ficção ou fantasia, não pode deixar de ler essa inglesa. E mesmo que você não seja dado ao gosto do recolhimento que toda leitura exige, então você pode conhecê-la através de filmes como “Orgulho e preconceito”, ou mesmo na versão que Emma Thompson fez de “Razão e Sensibilidade”, e você verá que será muito mais divertido, sadio e instrutivo do que ficar perdendo tempo, por exemplo, com a esquizofrenia política.
Editado por Adriana às 1/30/2007 12:09:00 PM |
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