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OS POBRES DO JUDICIÁRIO
Ralph J. Hofmann – 12/12/06

Em dado momento no fim da década de oitenta percebi que meu salário, não obstante as correções de dois em dois ou três em três meses cada vez comprava menos, ao fim de cada período a manutenção de nossa situação se tornava crítica. Uma pane séria no carro, um cabeçote estragado no indispensável videocassete (cinema era atividade reservada apenas para as crianças) e ficávamos em situação comprometedora. Isso ao menos se quiséssemos manter filhos em escolas particulares, adquirir revistas vitais como a Veja ou Isto É ou Nova para as mulheres da família.

No fim daquele ano tive um momento em que quase joguei tudo às favas. Eu sempre defendera o objetivo de que minha família tendo imigrado três vezes entre 1933 e 1948 devíamos aprofundar as raízes brasileiras dos meus filhos. Naquele momento considerei abandonar emprego, vender casa e me aventurar para o exterior.

Ao levar a lista de compras de material escolar para o ano seguinte, enquanto as vendedoras preenchiam a lista, fiz o que sempre fazia nessa oportunidade. Peguei um ou dois livros para mim. Lembro-me até hoje que um deles era “A Ascensão e Queda das Grandes Nações” de Joseph Kennedy.

Somadas as compras para três crianças, ouvindo o valor, murchei e devolvi às prateleiras minhas escolhas. Naquele momento descobri até que ponto haviam murchado minhas opções ante a inflação galopante do Brasil. E para uma pessoa com meu tipo de criação, não comprar livros era uma contração violenta dos meus horizontes.

Constatei que, ao ser admitido na empresa onde eu trabalhava eu ganhava um poder de compra que chamarei de 3.500 merrecas (já que minha memória não acompanha as moedas que tivemos). Naquele momento, nos pontos mais baixos entre uma correção e outra, não obstante promoções e aumentos ditos reais, em certos momentos eu não ganhava nem 1.000 merrecas de poder aquisitivo.

Poucos anos depois veio o Plano Real, e ao menos o galope do aumento de preços diminui, certas coisas se mantém estáveis ou flutuam sazonalmente outras se reduziram imensamente em termos de poder aquisitivo, tais como eletrodomésticos e bens eletrônicos.



A verdade é que em nenhum momento temos tido uma inflação sequer próxima aos 30 porcento ao ano, desde a implantação do Plano Real.

E é isso que torna abusivos aumentos auto-concedidos de setores do poder público. Não é o teto salarial que me apavora. O que me apavora é que as pretensões do judiciário representam um aumento superior a 30%. Sobre que período? Sob que justificativa.

Se os cavalheiros do judiciário (e quem sabe do legislativo) querem ser magnatas, por favor, que dispam a toga, abram um supermercado no primeiro ano, no segundo ano dois, e sucessivamente outros supermercados. Que tenham lucro, que ganhem muito mais do que 24.500 reais, que estarão construindo o Brasil.

Ao entrarem para uma carreira pública deveriam saber que estariam sempre ganhando mais do que a média dos meros mortais de seu mesmo nível etário. E o mereceriam pela responsabilidade que assumiam, e pelos dotes intelectuais que lhes permitiram passar por concursos públicos. Mas ninguém lhes garantiu um Mercedes –Benz novo à porta todos os anos.

Mas o colega de faculdade que abriu uma banca de advocacia e acumulou clientes e causas, criou uma reputação, e que não terá uma pensão no valor integral de seus ganhos quando se aposentar obedece regras de mercado. Com ou sem tabela precisa mostrar resultados. Senão passa fome. E pelo seu trabalho muitos, não todos, chegam ao Mercedes-Benz novo à porta. É a recompensa do risco assumido.

Os cavalheiros do judiciário receberam cedo uma compensação. Um excelente salário, excepcional para o país, excelente mesmo no exterior, estabilidade e uma bela pensão.

Já o abuso de uma capacidade de auto conceder-se aumentos sem a justificativa de uma inflação ou de um aumento excepcional de produtividade é absurdo, é abusivo e francamente coloca em dúvida qualquer direito ao respeito que deveríamos ter pela toga.


Editado por Ralph J. Hofmann   às   12/12/2006 11:13:00 PM      |