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A ATULIDADE DRÍTICA DE MAXIMO GORKI
Por Laurence Bittencourt Leite

Que Honoré de Balzac foi o escritor da pequena burguesia, isso, para quem é afeito a literatura, não há duvidas, e mesmo não precisamos nos apoiar na critica correta e até certo ponto rude do escritor russo Máximo Górki para sabermos disso. O grande artista é por excelência o historiador objetivo de determinadas classes e até de sua própria classe. Balzac apesar da admiração pela classe burguesa, soube como nenhum outro retratar o pequeno burguês em todo seu aspecto mais ridículo, algo tão comum, por exemplo, nas hostes do serviço público.
Por outro lado, Górki comparou o trabalho do artista ao do cientista. O trabalho de pesquisa que muitas vezes antecede a escrita, a busca das causas por trás de tal ou qual comportamento, a liberdade que se deve ter para criar, e claro, a imaginação, fazem parte do metier da ciência, segundo Górki. E uma das melhores definições para a capacidade imaginativa na arte literária que eu conheço é também dele, ao dizer que imaginação é a capacidade que o escritor tem de conferir aos fenômenos naturais espontâneos e aos objetos certas propriedades, sentimentos e intenções humanos. Em seu opúsculo “Como me tornei escritor” ele cita algumas expressões para ilustrar sua tese: “o vento chora”; “a lua contemplativa brilha”; “o rio murmurava cantigas antigas”. É tocante, objetivo e verdadeiro.
Na verdade, quem me fez ver a importância de Máximo Gorki como crítico (como escritor eu já o conhecia de “A mãe”, “Pequenos burgueses”, para citar apenas duas obras), para o entendimento e compreensão da literatura foi o genial Harold Bloom. Em seu best seller “O cânone ocidental”, Bloom ao falar sobre Tolstoi nos dá um depoimento de Gorki sobre o criador de “Anna Karenina” irretocável. A partir desse depoimento, Bloom se estende em suas elaborações sobre o crítico revolucionário.
Gorki é um dos grandes nomes da literatura russa que subiram em cotação depois da revolução bolchevique de 1917. Tendo passado fome na infância e adolescência, se meteu na política, passando a militar entre os revolucionários que queriam deburrar o Tzarismo e a aristocracia russa. Mas era essencialmente um artista. Mas como todo escritor que militou nos movimentos esquerdistas era ateu. É sua também uma das mais originais e melhores definições para a idéia de Deus que conheço. Tomando como base a capacidade criativa do homem, Gorki defende a idéia de que em sua vida de penúria o homem imaginou um Deus onisciente, onipresente e onipotente, criador de todo o universo e dotou-lhe das maiores aspirações a qual tenta chegar. Segundo ele, “Deus é apenas uma invenção humana, gerada por uma existência penosamente pobre e por uma vaga aspiração de fazer, com sua própria força, a vida mais rica, fácil, justa e bonita. Deus foi criado como se criam tipos literários”, nos diz ele. Pode-se até não concordar com Gorki, mas que é bem articulada a sua tese, isso é. Não é à toa que gênios como Millôr Fernandes também consideram a Bíblia uma grande criação literária, ainda que sujeito a polêmicas.
Afinal, temos que concordar com Máximo Górki, um personagem não necessariamente existiu na vida. Pode ter existido tipos ou mesmo pessoas semelhantes aos tipos literários criados. O que é algo bem diferente. Ou mesmo, um tipo literário pode ser uma conjugação de personalidades e pessoas. Um exemplo rápido pode ser Hamlet, ou mesmo um dos irmãos Karamazov, ou ainda Dom Quixote. Como nos ensina Máximo Górki um tipo comum pode ser alçado a uma carategoria exemplar. Um ciumento nós podemos chamar de Otelo, um hipócrita de Tartufo ou mesmo um mentiroso de Tersites. A literatura permite isso, pela idealização e criação nas formas.
Por outro lado, mesmo tendo a teoria literária dividida e aceito as obras literárias em escolas, romântica, realista, simbolista, etc, é possível dizer que todo grande artista congrega em sua escrita essas correntes que parecem estar juntas. Em seu ensaio “Como me tornei escritor”, Górki faz uma pergunta capital que acho interessante formular aqui. Ele levanta a questão, como alguém que tenha levado uma vida pobre pode escrever algo interessante e mesmo sobre o que essa pessoa sobre teria a escrever. Gorki talvez inconscientemente termina reproduzindo a formula de Tolstoi: pinte o próprio chão que serás universal. Ou seja, para o critico literário, falar sobre a própria existência, sobre a sua localidade, sobre sua gente, sobre a sua miséria faz disso algo importante e universal, e dá como exemplo, os povos da região do Volga, dos Urais e da Sibéria, que sequer tinha literatura escrita, mas quando deram para falar desses lugares enriqueceram e adornaram transformando uma tragédia em literatura. A explicação de Gorki é simples e cativante e basta pensarmos em Shakespeare e seu tempo para vermos a verdade de sua frase. Afinal, para tomarmos um exemplo caseiro, aqui no Rio Grande do Norte, Luiz da Câmara Cascudo se tornou conhecido quando começou a falar dos nossos mitos e contos populares, coisa que autores europeus já tinham feito em literatura ao cantar suas canções populares, seus contos, suas lendas, seus mitos, etc.


Editado por Giulio Sanmartini   às   12/08/2006 10:01:00 AM      |