Fernando de Barros e Silva, na Folha de S.Paulo
"O dado concreto é que não estou mais pensando em 2006". Foi assim que o presidente Lula reagiu, na semana passada, ao tomar conhecimento dos números pífios do crescimento da economia no terceiro trimestre deste ano. A frase é irmã gêmea da proferida anteontem pelo ministro Tarso Genro, segundo quem a crise do setor aéreo não deve ser enfrentada com "pressa neurótica ou temperamental". Tarso falou e a seguir viajou -mas de jatinho oficial. As urnas mal esfriaram e já soa como escárnio -mais um- o slogan da campanha vitoriosa: "Deixa o homem trabalhar". Como não?
O comportamento do governo no "day after" eleitoral parece transitar entre a inépcia e a desfaçatez: ora sinaliza que não sabe o que fazer diante dos problemas que tem pela frente (dos mais comezinhos aos desafios estruturais), ora transmite a sensação de que seus tripulantes estão refestelados a bordo, dez mil pés acima do país. A letargia do governo diante dos transtornos e dramas expostos seguidos dias nos aeroportos é espantosa -até mesmo para os padrões de incapacidade decisória observados nesta administração. Mas a abulia na condução da crise aérea de certa forma vem ofuscar uma outra falta petista -desta vez menos pontual e antes ética, capaz de revelar, sob a idéia fantasiosa do governo de coalizão, o ovo da serpente político que o primeiro mandato vai gestando para o segundo. Seria preciso ser como Lula e não pensar mais nem em 2006 nem no que o antecedeu para ficar indiferente à absolvição de José Janene pela Câmara. O líder do PP não era, como se sabe, peça qualquer no xadrez do mensalão armado pelo PT. Janene não simboliza apenas a gargalhada da impunidade sobre todos nós. A coroação da pizza, nesses termos escandalosos, é também a prova cabal de que o PT enterrou qualquer revisão moral que possa comprometer sua fome de poder. A coalizão de Lula se funda sobre o cadáver insepulto do mensalão.
Editado por Anônimo às 12/08/2006 08:42:00 AM |
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