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O ÓBITO DO POETA
Por Ralph J. Hofmann

A cada tanto encontro mais alguma coisa que me deixa pasmo com as opiniões dos Chico Buarques, L.F. Veríssimos e outros tantos artistas e particularmente escritores e compositores em relação às ameaças representadas pela total ausência de moralidade na vida pública e ainda mais, seu óbvio desprezo por tudo que não seja a perpetuação no poder, passando diretamente pela tentativa de controlar a disseminação de idéias.
Uma negação dessas é particularmente obscena vindo de um poeta maior, que certamente deveria estar na Academia Brasileira de Letras como é o Chico Buarque. Mas está longe de estar sozinho.
Ha pouco reli o óbito de Gyorgy Faludy, 95 anos, morto em Setembro deste ano. O poeta húngaro preso entre 1950 e 1953 numa prisão estalinista escrevia seus poemas com seu sangue em papel higiênico. Os companheiros de cárcere memorizavam as obras e os que eram soltos ditavam os poemas para a esposa do poeta.
Faludy foi libertado após a morte de Stalin, mas as marcas da prisão nunca desapareceram. Em 1983 escreveu:
Decorem este meu poema
Livros são efêmeros
Este será emprestado, rasurado,
Queimado pelos guardas na fronteira húngara
Extraviado pela biblioteca, sua espinha será quebrada
Será reduzido a pó pelos cupins
Ou amarelará e entrará em combustão
Quando a temperatura Farenheit chegar
A 451, a temperatura que sua cidade atingirá
Ao ser queimada.
Decorem este meu poema.

(Me desculpem a tradução muito pobre)
Ante a simpatia do governo húngaro pelo nazismo antes da segunda guerra Faludy se refugiara na França em 1938. Depois se refugiara no Marrocos donde fora aos Estados Unidos e se alistara. Voltou à Hungria assim que terminou a guerra e viu conforme disse “a construção de uma democracia sem democratas”
Em Outubro de 1956, quando os tanques russos entraram em Budapest, tendo participado da resistência Faludy novamente se exilou passando por vários países e finalmente se fixando em Toronto. Voltou do Canadá em 1989, um monumento vivo à resistência húngara.
Esse caso está longe de ser único ou excepcional na história dos países da Cortina de Ferro ou da Cortina de Bambu. E certamente são conhecidos dos intelectuais de esquerda do Brasil. Basta lembrar Solzhenytzin ou o tratamento dispensado a Boris Pasternak, apenas para citar dois sobreviventes do sistema, um encarcerado e outro tratado como não-pessoa, protegido pela sua popularidade internacional.
Então por que nossos intelectuais, que influenciam massas de jovens, se prestam a serem vivandeiras dos que claramente não estão dando a mínima importância às responsabilidades do poder, somente às prerrogativas do poder.
Ao fecharem seus olhos ao que ocorre à nossa volta, em lugar de combaterem os indivíduos que deram provas mais do que suficientes de sua amoralidade, tornam-se co-responsáveis seja de uma guerra fratricida em potencial, não importa qual o lado que a faça eclodir, seja de uma destruição futura de formas de arte ou literárias que não se enquadrem no padrão oficial.
“Apesar de Você”, Chico Buarque? Não. Você não é mais o autor desse poema. Agora você está lubrificando as engrenagens de uma máquina de coagir. É uma criança brincando com a “Caixa de Pandora”.


Editado por Ralph J. Hofmann   às   11/28/2006 05:34:00 PM      |