Por Arnaldo Jabor em O Povo (Fortaleza) O debate de domingo serviu para vermos dois lados do Brasil. De um lado, a busca de um "choque de capitalismo", de outro um delirante choque de um socialismo degradado em populismo estatista, num getulismo tardio. De um lado, São Paulo e a complexa experiência de um estado industrializado, rico e privatista e, do outro, a voz de grotões onde o Estado ainda é o provedor dos vassalos famintos. De um lado, a teimosa demanda de Alckmin pelo concreto da administração pública e, do outro lado, o Lula apelando para pretextos utópicos, preferindo rolar na retórica de símbolo, lendo constrangido estatísticas e citando obras quem nem foram iniciadas. Alckmin foi incisivo; Lula foi evasivo. Lula saiu da arrogância do primeiro turno para o papel de "sóbrio estadista injustiçado". Mas não deu para esconder seu mau humor quase ofendido, por ter de dialogar ali com aquele "burguês", limpinho, sem barba. Faltou-lhe a convicção de suas afirmações, pois seu "amor ao povo" não teve a energia de antes. Gaguejou, tremeu, suas frases peremptórias não tinham ritmo, não tinham "punch line", não "fechavam", enquanto Alckmin parecia um cronômetro, crescendo no ritmo e concluindo com fragor.
Lula estava rombudo, Alckmin era um estilete. Lula estava deprimido porque raramente foi contestado assim, ao vivo. Sempre recuamos diante do sagrado "Lulinha do povo", imagem que se rompeu domingo. Houve um leve sabor de sacrilégio na acusação do agora agressivo "picolé de chuchu". Alckmin rompeu a blindagem do Lula, protegido dos escândalos. Alckmin atacou a intocabilidade do operário sagrado e tratou-o como cidadão. Isso. O Lula perdeu um pouco da aura de "ungido de Deus". Lula sempre se disse "igual" a nós ou ao "povo", mas sempre do alto de uma intocabilidade, como se ele estivesse "fora da política". Sempre houve um temor reverencial por sua origem pobre; qualquer crítica mais acerba soava como ataque da "elite reacionária que não suporta um operário no poder", como clamam tantos lulo-colunistas e artistas burros. Quando apertou o cerco, Lula tentou se valer dos pobres, dos humildes, falou da mãe analfabeta, mas sempre evitou responder qualquer pergunta concreta, como se a concretude fosse uma ofensa a seu mundo ideológico puro, acima da vida "comum". Várias vezes, suas falas não faziam sentido, porém mantinham para o espectador acrítico aquele ronronar grosso que empresta um ritmo de fundo em torno da sua imagem de "símbolo dos pobres". Lula não precisa dizer a verdade; basta parecer. Sempre que o Alckmin o encostava na parede, ele chamava as verdades proferidas de "leviandades", o que é muito comum no vocabulário petista que nomeia de "erros" os crimes cometidos ou de "meninos", os marmanjos corruptos que transportam dólares na cueca ou nas maletas e que foram "desencaminhados", coitados, por bandidos comuns, talvez até (quem sabe?) "a serviço" de tucanos solertes. Lula tentou encobrir os crimes de sua quadrilha apelando para pretensos "crimes" de gestões anteriores, como barragem de CPIs, votos comprados, caixa 2 sem provas. Ele e os petistas se julgam donos de uma "meta-ética", uma "supra moral" que os absolveria de tudo e, por isso, Lula se utilizou de mentiras e meias-verdades para responder às acusações de mensalões e sanguessugas em seu governo. Para justificar a omissão e a passividade diante da Bolívia e do prejuízo de 1 bilhão e meio de dólares nas instalações da Petrobras, Lula chegou a criticar a violência burra do Bush para se absolver na política de "companheirismo" com o Evo Morales. Em vez de se defender de acusações pontuais, dizia que a era-FHC também era corrupta, como nas brigas de bordel, em que as prostitutinhas se defendem apontando os pecados das outras. Lula tentou fugir da pergunta que não vai se calar: "Qual a origem do dinheiro?". Lula respondeu com a metáfora batida: "Muitas vezes o sujeito está na sala e não sabe o que está acontecendo na cozinha". Ou seja: é normal que o chefe da Casa Civil e agora o presidente do partido, Berzoini, Hamilton Lacerda, o chefe da campanha do Mercadante, o diretor do Banco do Brasil, seu assessor, seu churrasqueiro, petistas ativos no diretório, todos soubessem e trouxessem o dinheiro em malas, sem avisar o chefe. E quer que a gente engula. Lula pediu a Deus que não o mate "até que ele saiba de onde veio o dinheiro". A resposta óbvia é: "Não precisa perguntar a Deus; basta perguntar aos seus assessores na sala ao lado...", como escreveu a Miriam Leitão. Quando Alckmin o apertava, ele o desqualificava: "Meu Deus... como é que pode? Você está nervoso, Alckmin... Não é o seu estilo...", querendo trancar o desafiante em seu papel de gentil picolé. Diante do pedido de explicações, fugia, tentando abordar "questões programáticas" (como se ele as tivesse...), como se elas pudessem estar acima das "bobagens de crimes que sempre houve, de erros de companheiros" etc... Assim, tentou voar por cima da ética assassinada. Acontece que os crimes de sua quadrilha "são" a questão principal e também "programática" porque, além da imoralidade, esses crimes prefiguram uma política que visa atropelar a democracia através de grossuras truculentas que lhes mantenham no emprego a qualquer custo. Lula não pôde responder a pergunta fatal ("de onde vem o dinheiro?") porque sua origem é conhecida. Todos sabemos que o dinheiro veio de algum nicho onde está guardado para "despesas do partido", dinheiro desviado ou de fundos de pensão ou de estatais ou de bancos oficiais ou de contratos superfaturados. Todos eles sabem. Só falta o nome do dono da cueca ou das maletas. E, certamente, o advogado do governo não permitirá que saibamos até o dia 29. Tudo está óbvio. Neste momento perigosíssimo de nossa história, só resta esperar que o "povo" perceba o óbvio, já que os intelectuais jamais o enxergarão.
Editado por Giulio Sanmartini às 10/11/2006 12:30:00 PM |
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