Por Dora.Kramer, em O Estado de São Paulo Se o presidente Luiz Inácio da Silva sabia ou deixava de saber que um assessor direto e de sua inteira confiança, o presidente de seu partido e coordenador-geral da campanha eleitoral, o marido de sua secretária particular e responsável por uma parte de seu programa de governo e o encarregado de uma das áreas ('mídia e risco') de sua campanha e piloto preferencial da churrasqueira da Granja do Torto estavam envolvidos na montagem e negociação da publicação de um dossiê contra seus principais adversários políticos, admitamos: é difícil de precisar sem que reste sombra de dúvida. Nessa altura e gravidade dos acontecimentos, a comprovação da ciência prévia do presidente não altera os fatos, a não ser que o próprio Lula repudiasse a desconfiança de que não controla os seus e pudesse rechaçar inquestionavelmente as evidências. Estacionar nesse ponto é, portanto, perda de tempo e foco. Como de resto é ocioso especular sobre a hipótese de o caso mexer com a vontade do eleitor, pois isso só será possível saber mediante a exposição dessa vontade, seja por meio das próximas pesquisas, seja pelo resultado das urnas daqui a poucos dias.
O que não deixa dúvidas, porém, é o objetivo da trama, cuja contestação pueril vem sendo a principal arma de defesa do governo. Simulando inépcia mental, quando na realidade são muito sagazes, os governistas e o próprio presidente invocam a dianteira nas pesquisas como 'prova' de que não interessaria a ninguém na campanha presidencial provocar ocorrências que pudessem render prejuízos, muito menos em função de uma eleição considerada perdida - a do governo de São Paulo. Nesta argumentação, esquece-se propositadamente do elementar: a urdidura não tinha por finalidade o desastre. A meta era o bom resultado, a criação de um fato eleitoral para lançar suspeição e levar a desmoralização - se não fosse possível a derrota - ao campo inimigo. Nada foi feito com o intuito de criar problemas para o candidato à reeleição presidencial. O problema veio como conseqüência dos erros de operação, sendo o mais primário deles a abertura de negociações via telefone com os empresários Vedoin, obviamente vigiados pela Polícia Federal por gozarem de liberdade condicionada ao instituto da delação premiada. A polícia, quando prendeu Luiz Antônio Vedoin, não estava atrás de nenhuma denúncia a respeito de armações eleitorais. Prendeu porque detectou, por intermédio das escutas, que ele estava negociando a venda do crédito adquirido como principal informante na produção de provas em investigação do Ministério Público e que permitiu à CPI dos Sanguessugas pedir abertura de processos de quebra de decoro contra 70 parlamentares. A partir da entrada em cena de gente ligada ao PT é que a PF deixa de lado a conduta 'republicana'. Opta por não flagrar o ato da venda do dossiê e prende o tio de Vedoin antes de ele viajar para encontrar em São Paulo os candidatos a compradores. Estes são pegos separadamente, impossibilitando que se produza a prova cabal do crime. Mesmo com todos esses cuidados, o fio das ligações perigosas com o PT e o Palácio do Planalto foi sendo desenrolado. Aí é que surgiram as dificuldades não previstas naquele que tinha, na visão de seus arquitetos, tudo para ser perfeito: atingiria o adversário, celebraria o trabalho 'republicano' da PF e permitiria ao presidente dar uma demonstração de grandeza ao repudiar o denuncismo como prática de combate eleitoral. E por que se preocupar com a eleição de São Paulo já que a reeleição estava assegurada? Justamente porque estava garantida. O primeiro movimento, a renovação do mandato de Lula, completara-se. Era, então, hora de fazer o segundo movimento, este mirando o futuro. Depois da arena nacional, São Paulo é o campo de batalha mais importante para petistas e tucanos. Em 2004, a vitória de José Serra para a Prefeitura de São Paulo foi péssima para o PT e revigorou as energias políticas do PSDB, exauridas na derrota presidencial dois anos antes. Da mesma forma que na época os tucanos convocaram seu quadro mais bem posicionado eleitoralmente e contra a vontade dele o convenceram a enfrentar a petista Marta Suplicy, por entendimento de que aquela seria uma luta crucial, não faria lógica o PT aceitar gentil e mansamente a eleição de um adversário tão perigoso e envolto no clima de reconhecimento generalizado de que teria sido um oponente presidencial mais credenciado que Geraldo Alckmin. Na ótica da disputa política e tendo em vista o campo em que se dava a batalha, fazia todo o sentido tentar atingi-lo. Serra estava bem demais na cena. Qualquer tentativa para tirar São Paulo das mãos dos inimigos seria válida. O prêmio valia o risco. Mesmo não impondo a derrota a Serra, desmoralizar aquele que, se eleito governador de São Paulo, terá uma força política enorme como opositor, é combatente irascível (diferente de Aécio Neves) e obstinado candidato à Presidência em 2010, convenhamos, é motivo de sobra.
Editado por Giulio Sanmartini às 9/21/2006 09:21:00 AM |
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